domingo, 16 de setembro de 2007

CIDADANIA VERSUS DEMAGOGIA: A HISTÓRIA DOS MESMOS

Muitos poderão dizer que se está a exagerar ou meramente a especular quando se aponta um futuro social catastrófico. Devido às gritantes desigualdades económicas e sociais, bem como ao “barril de pólvora” ecológico (cujas mudanças este ano se começaram a fazer sentir aos olhos de toda a gente), tanto no nosso país como no mundo em geral algo parece estar a acontecer.... Quanto a reacções: uns ficam surpreendidos, outros cepticamente comprometidos. Arrisco até a dizer que entre alguns destes últimos estarão, porventura, uma pequena elite: os mesmos.

Os mesmos que segregam, para um canto clandestino do nosso país, imigrantes que apenas parecem interessar pelos seus baixos ou inexistentes salários (esquecendo a sua cultura, família e novas gerações) e agora se revoltam indignados e “surpreendidos” com a criminalidade e falta de formação desta “gente”.

Os mesmos que apregoam a inovação e empreendorismo para as nossas empresas e depois que sussurram com orgulho, “lá fora”, a atractividade portuguesa pela sua mão-de-obra barata para as empresas estrangeiras (especialmente pertinente em visitas a países que dão “lições” nesta matéria como a China).

Os mesmos que enaltecem as graciosidade e transparência do capitalismo concorrencial e depois tentam impor o projecto de localização do novo aeroporto na Ota como única solução possível (por várias razões que apenas poderemos imaginar…), embora seja a via mais cara (ainda sem contar com as derrapagens), mais rapidamente obsoleta (não suportará o aumento de tráfego durante mais de treze anos) e, em termos de funcionamento operacional diário, a mais complicada.

Os mesmos que elegeram como símbolos do despesismo todos os serviços e quase todos os funcionários públicos, cito quase pelo facto de se deixar de fora administradores e afins que continuam tranquilamente a auferir salários, comissões, isenções chorudas e futuras reformas.

Os mesmos que juraram mudar as regras relativas a carreiras e aposentação apenas para os novos funcionários públicos e acabaram meses depois por dar o dito por não dito e mudá-las para todos. Ou os mesmos que vêm a terreiro defender e promover os valores da família e, de seguida, sorrateiramente reduzem para metade os apoios após os nascimentos.

Os mesmos que declaravam que todos tinham que contribuir a nível fiscal e depois fecham os olhos a contribuições gigantescas em falta relativas a grandes bancos, seguradoras, construtoras, lucros bolsistas, fortunas milionárias, entre outros, de forma mais ou menos legal, com pressão (ou será mesmo autorização?) de lobbies à mistura.

Os mesmos que destroem o serviço nacional de saúde como direito, em nome da procura do aumento da qualidade de serviço para os utentes (“esquecendo” que não se pode melhorar aquilo que se fecha), abrindo espaço para esta qualidade apenas disponível no privado, cada vez mais somente para alguns: provavelmente entre estes estarão precisamente esses mesmos.

Os mesmos sejam estes de esquerda, direita ou centro, dado que os interesses apenas têm uma cor: a do dinheiro e do poder. Mas será inevitável? Talvez sim… Poderemos pensar que talvez seja inevitavelmente humano ceder aos interesses, mas logo nos lembramos que noutros países as coisas não se passam bem assim ou, pelo menos, não sempre.

Então poderemos pensar que talvez seja uma questão cultural, porém mesmo no nosso país há exemplos de cedência e também de resistência a pressões de lobbies., sendo nuns casos esporádicos, noutros constantes resultando de critérios coerentes assumidos. Mas mesmo estes que são assumidos e cumpridos não constituem garante de que se tomem decisões sempre desta forma…

Talvez sejam demasiados dilemas ingénuos ou desconfiados e nos reste somente uma solução: estar permanentemente atentos, informados e esclarecidos para poder elogiar ou criticar decisões passadas, presentes e futuras, de forma autónoma, para ter a possibilidade de lutar, apoiar e fazer a diferença. Enfim, cidadania é o que se pede e com o que se pode contar contra a demagogia.

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional
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