sexta-feira, 2 de maio de 2014

ESTAR NO TRABALHO MUITO TEMPO OU TRABALHAR BEM? (2ªparte)


Sejamos honestos e realistas, a maioria das pessoas prefere trabalhar pouco tempo, mas bem, em vez de muito tempo, contudo mal. Normalmente as águas separam-se mesmo assim.
A questão aqui a merecer que paremos um pouco para pensar não é, de facto, se se deve trabalhar mais ou menos uma horita… É sim o princípio, o precedente, o rumo escolhido como solução para qualidade de vida de uma sociedade, de toda uma civilização. Se for regra, seja legal ou ilegalmente (que em muitos casos é o que acontece) não. Se for uma exceção num imprevisto que sucedeu poderá obviamente ser aceite, com bom senso, sustentada numa gestão séria e aberta. Isto desde que o azar não se torne hábito…
Não importa se é uma, duas, cinco, até poderemos trabalhar dez ou doze horas por dia legal ou ilegalmente como se faz nalgumas empresas, zonas ou países ou quiçá regressar à escravatura de 24 horas disponíveis para o patrão e/ou para colegas (infelizmente ainda existe no nosso mundo e nalguns casos perto de nós por imposição, subserviência e/ou bajulação). A política do mal menor acaba, muitas vezes, por ser a política do mal maior que não tem limites…
Porventura, o que importa será sim a forma como se trabalha durante o tempo laboral, não numa perspetiva fiscalizadora do que supostamente é trabalhar “como deve ser”, mas sim numa perspetiva de permanente procura da forma de rentabilizar recursos, atingir objetivos ambiciosos e fazer diferentes, construindo valor acrescentado.
É óbvio que toda a gente deve procurar ser eficiente e fazer um trabalho com qualidade e diligência. Não é de hoje, sempre foi assim. É uma questão de brio, o que não deverá implicar nem deve ser confundida com a subserviência de ter que “estar caladinho e fazer o que lhe mandam”.
Chegando a este ponto da análise, inevitavelmente falaremos do tipo de gestão, de lideranças, da liberdade / autonomia individual e coletiva para poder fazer bem.
É fundamental e até bastante simples estimular para a inovação, protegendo da eventualidade do erro quem está na nossa equipa, pois importa ver o que falhou e não tanto quem falhou, sabendo-se que os apontares de dedo levam ao jogar pelo seguro de fazer mais do mesmo, mesmo que errado… De facto, quem não faz não erra e só se evolui com as lições nunca mais esquecidas, aprendidas precisamente com… grandes erros.
Vejamos um exemplo quando as coisas correm bem. Quando, no dia-a-dia de trabalho, o trabalhador persegue o cumprimento ou superação de objetivos (anteriormente negociados em consenso com a sua chefia), não abandona situações/casos pendentes com clientes internos ou externos e apresenta propostas de melhoria / inovações (não apenas para um caso, mas para aspetos transversais) que julga terem boa probabilidade serem ouvidas e aprovadas.
Por estes caminhos, efetivamente responsabiliza-se pela forma como fazemos as coisas e não pelo que nos mandam fazer…
Indo um pouco mais longe e talvez ao ponto essencial de todas as polémicas, será que o foco no aumento do tempo de trabalho não serve apenas para escamotear efetivas razões de falta de produtividade relacionada com uma pobre gestão nas organizações portuguesas e falta de visão dos seus supostos líderes? Não estaremos perante uma fuga da desresponsabilização e fenómeno de bode expiatório?
Ora, se a relação entre tempo de trabalho e produtividade poderá afinal de contas ser uma questão (de) técnica poderá, assim, ficar um pouco desmistificada, não poderemos esquecer um enigma já de índole mais civilizacional…
O trabalho, sendo mais ou menos interessante, pode impedir-nos de ter tempo de... viver? Isto é, se podemos antes ou depois do trabalho usufruir de tempo de qualidade com família, amigos, educação, saúde, cultura, lazer, descontração, hobbies, férias, sono, simples descanso ou o que / como bem entendermos?
Não nascemos só para trabalhar, o tempo livre não pode ser um luxo, é um direito civilizacional e se muitos não o têm há que lutar para que o possam ter ao invés de cortar a direito e nos (auto)nivelarmos por baixo…

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com


ESTAR NO TRABALHO MUITO TEMPO OU TRABALHAR BEM? (1ªparte)



Nos tempos que correm, é de conhecimento comum que o Governo e troika estão a procurar implementar o aumento do tempo de trabalho em vários setores, para já com a colocação no setor público do tempo de trabalho mínimo em 40 horas semanais que são o máximo legal previsto para o setor privado. No futuro se verá o que mais…
Muita gente tem vindo a afirmar que tudo isto poderá servir apenas para prolongar turnos, cortar no pagamento de horas extraordinárias e justificar cortes de pessoal em setores importantes, cuja eficiência e eficácia no terreno começam a ser postas em causa pelos próprios utentes. Há também quem acrescente que mais horas no posto de trabalho não vão significar um mais eficaz e eficiente serviço / atendimento aos cidadãos / contribuintes, indo contudo prejudicar a vida pessoal dos cidadãos e das suas famílias que constituem, no fundo, o coração de uma sociedade.
O aumento da produtividade parece ser o fundamento apresentado pelos autores das medidas, contudo as consequências mais claramente visíveis apontam para o facto de se ir trabalhar mais tempo por menos dinheiro (quer no público, quer após ou imediatamente no privado).
Assim sendo, há que procurar respostas claras a algumas perguntas de base. Em que medida trabalhar mais ou menos horas por dia estará relacionado com a produtividade? Mais tempo, melhor produção? 1 + 1 são 2, portanto o que é preciso é “trabalhar, trabalhar”? Porém, terá a ver com o quanto se trabalha ou com o como se trabalha? E para que trabalhamos? Serão tempo de trabalho, produtividade e qualidade de vida compatíveis? É que não somos máquinas…
Relativamente à produtividade, no senso comum nacional, são facilmente identificadas, em conversas informais, certas crenças relacionadas com as possíveis razões para uma suposta lacuna, detetada nos trabalhadores portugueses. Esbatem-se argumentos que são precipitadamente tidos como científicos, que contêm normalmente uma perspetiva de causa – efeito.
Alguma ligeireza é detetada quando são avançados, quase que subliminarmente, “factos que parece que toda a gente já sabe ou devia saber” como a suposta “preguiça”, qual característica genética dos portugueses, que só poderá ser contrariada com “rédeas curtas”, no que aos direitos fundamentais de trabalho diz respeito.
Sem pensar muito, encaixa-se facilmente a lógica de que “as pessoas são mandrionas, por elas não fazem nada, só trabalham quando têm medo, portanto têm é que dar mais tempo e temos que andar sempre em cima delas”. Há sempre quem diga que já faz muito mais do que horas normais de trabalho por dia há bastante tempo e “qual é o mal de trabalhar durante mais um bocado todos os dias?”.
Normalmente a seguir a esta tomada de posição, a continuação do raciocínio varia entre: “olha eu nem noto as horas passarem, pois gosto muito do que faço, é como se fosse um hobbie e ainda por cima recebo dinheiro por isso” (clara e infelizmente uma minoria – se existir a efetiva liberdade de escolha), “que remédio, é assim na empresa, senão vamos para a rua”, “não faz mal nenhum, pois isto tem de andar para a frente”, “se há trabalho para fazer e prazos a cumprir trabalhamos as horas que for preciso, podendo ou não ser compensados depois”, etc.
Então, independentemente da fonte de motivação, trabalhar muito é sinónimo de trabalhar bem?
Faz lembrar a história que um amigo me contou sobre o lenhador que se fartava de trabalhar, chegava a serrar madeira 8, 9 ou 10 horas por dia, não tendo tempo para nada nem mesmo para… afiar a serra (o que lhe permitiria produzir em menos tempo de trabalho).
Indo mais longe, se considerarmos que a produtividade hoje em dia está mais fortemente correlacionada com a sofisticação tecnológica e não tanto ao esforço físico e presencial humano, facilmente, poderemos pensar que se o lenhador inventasse uma máquina de serrar inovadora…
Ora, em Portugal as elites parecem querer manter o lenhador a trabalhar 8, 9 ou 10 horas e o resto não interessa… Mais do mesmo, quando, afinal, podia ser melhor.

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com