sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A DOUTORICE, SEGUNDO ESTE ADMIRADOR DE EÇA DE QUEIRÓS

Para ler com sorriso descontraído e relativo de quem sabe e demais não quer ralar…

Como sabemos, o nosso país está recheado de grandes contradições económicas, sociais e culturais: aparências com “telhados de vidro” misturadas com muitas manias de grandeza... Em jeito de caricatura à moda de Eça de Queirós, vale a pena dar uma vista de olhos em alguns exemplos.

Há gente que soa a sofisticada e competente, com ar responsável e maduro, sabe de cor os currículos da gente importante a quem não dispensa as mais respeitosas mordomias de Exmo., Exma., Excelentíssimo, Digníssimo, Senhor Doutor ou Caro Engenheiro, entre outras palavras com ouro adornadas. Exímios na arte de estender a passadeira vermelha, não permitirão jamais que nenhuma bota de alta patente fique sem o devido lustro brilhante!

Há gente que se mascara de humilde, mas que, com conversa matreira, faz sentir um aperto de desconfiança (parece que algo não bate certo) a quem por ali está. Gostam de lembrar, a quem está ao lado, as desgraças do mundo, os coitadinhos e outras conversas fiadas que, contadas à sua maneira, levam a que aparentemente a sua canonização peque por tardia e a que verdadeiramente a sua “auréola” lhes dê passe-livre para se aproveitarem dos menos atentos à sua santa hipocrisia…

Há gente formada que se esconde atrás de “paleio” técnico que atemoriza qualquer pessoa, como que exigindo a devida vénia. Verdadeiros especialistas que envergam fato e gravata com pompa ou vestido de executiva com classe, fazendo questão de manter o seu órgão olfactivo direccionado geometricamente para o local onde apenas os sábios merecem estar: o céu… Sempre que podem, expressam, de forma piedosa, pena por não se poderem permitir gozar os simples costumes da simpatia, dado encontrarem-se num patamar de sabedoria “mitológico”, que exige rigor no alinhamento dos papéis, pastas e canetas Parker… Convictos da sua condição de iluminados, basta-lhes “estar ali” e dar a honra de ter uma ou outra conversa paternal com o povo, cujo óbvio e único dever constitui prestar-lhes vassalagem. São refinados apreciadores de um digno tratamento recheado de Exmo., Exma., Excelentíssimo, digníssimo, Senhor Doutor ou Caro Engenheiro...

Há ainda gente que se perde em atitudes subservientes de auto-rebaixamento e humilhação perante chefes ou patrões (como se isso fosse essencial para “amansar a fera”, que continua a humilhar diariamente por que “cheira” esse medo à distância). Revelando um gosto secreto por prestar continência militar pelo raiar da manhã, são os primeiros a denunciar os boatos ao “manda-chuva”, os típicos “queixinhas” da escola primária, que preferem não enfrentar quem os explora, auto-convencendo-se de que “muita sorte temos nós, pois até podia ser bem pior”…

Porém e felizmente, há também gente diferente… Pessoas que têm a coragem para olhar de frente, com um sorriso distanciado, para as manias de grandeza (que sem público ficam perdidas). Que dão um “murro na mesa” nos momentos-chave em que os representantes das aparências com “telhados de vidro” tentam semear dúvidas, gerar intrigas e continuar a manipular nos corredores da desconfiança… São normalmente os responsáveis pelos nossos saltos qualitativos de desenvolvimento económico, social ou cultural.

Ora, as maneiras de ser de cada um não são, de forma alguma, uma “marca de nascença” impossível de mudar. Cabe a quem lidera, dirige ou governa definir em que características pretende apostar e apontar como exemplo para ser seguido por todos os outros e abertamente porquê. Os costumes, as tradições e/ou as mentalidades não nascem, continuam ou mudam ao acaso, dependem sim precisamente destas decisões…

Se estas decisões se tomam com base na demagogia, no medo de desagradar aos “poderosos”, na intenção de “distribuir o mal pelas aldeias”, no “agradar a toda a gente” (especialmente aqueles “complicados”), na garantia de uma suposta estabilidade que apenas aumenta o poder de quem influencia pela chantagem e pelo “bluff”… chegamos ao Portugal do passado e do presente.

E se estas decisões forem tomadas de outra maneira?... Será que o Portugal de futuro pode existir sem esta mudança de base na forma como as nossas lideranças tomam decisões? Assim se poderá fazer a diferença ou não...

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional
Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com