quinta-feira, 16 de agosto de 2012




OS CANTANHEDES DA CIDADE 



(parte 1)

A infância e adolescência (ou juventude, como preferirem) são fases na vida de um ser humano muito importantes para o “limar” da sua personalidade, assumindo particular importância os valores da família, dos amigos e da comunidade local. Relativamente a este último pormenor, revela-se interessante analisar o caso da cidade de Cantanhede, mais propriamente das gerações (a que também pertenço) que aqui passaram os seus períodos de infância e adolescência durante os anos 80 e 90.

Comecemos pela adolescência. Estas gerações em Cantanhede dividiam-se em vários grandes grupos: os “meninos bem”, os “queques”, os “freaks”, a “malta do bairro” (de zonas mais desfavorecidas economicamente). As suas bases de inter-relacionamento pessoal eram estabelecidas em zonas distintas, casas de amigos e/ou cafés/bares onde só se atrevia a entrar pessoal dos grupos dominantes.

Na falta de maiores desafios, o “corte e costura” de gozo e maldizer por demais evidente era (e ainda é?...) a arma de defesa de cada grupo mais frequentemente utilizada. Assim se acentuavam as fronteiras com “os outros” e reforçava essa prática depreciativa como a típica e valorizada maneira de ser de toda a gente do grupo. Mesmo daqueles que com isso não concordavam, mas a quem o tempo acabava por dobrar. “Junta-te aos bons serás um deles, junta-te aos maus serás pior do que eles”.

Nestas guerras de protagonismos de bota-abaixo, o grupo dos “meninos bem” sempre deu as cartas mais altas, exibindo roupas de marca e apregoando as suas ligações familiares ou laborais às cidades de alto nível, enquanto marcas registadas do seu “pedigree” distinto do restante povo jovem de Cantanhede.

Ora, este grupo de pequenos “jet-set” acabou por ser apontado como prova cabal por quem acusava o pessoal de Cantanhede de revelar desprezo relativamente ao resto do concelho. Nesta imagem elitista se baseava o pessoal de fora da cidade para justificar a sua antipatia, não apenas por este grupo, mas por todos os “Cantanhedes” que assim eram colocados no mesmo saco, mesmo aqueles que pertenciam aos restantes grupos que não partilhavam as características do tal grupo das pompas e circunstâncias.

Ora, sucedia que toda esta malta dos vários grupos da cidade só se misturava quando abria um café ou bar novo. Aí, nesses momentos sentia-se ou fingia-se existir um espírito de comunidade entre a juventude de Cantanhede. Porém, no fundo, as coisas não passavam de sorrisos de circunstância entre quem fazia que não sabia quem era o outro ou abraços de aparente euforia de quem já não se via há muito tempo (como se não se cruzassem todos os dias na rua ou escola ignorando-se propositadamente ou não)…

Contudo as ressacas do normal dia-a-dia formatado e rotineiro nos tais grupos bem distintos acabavam rapidamente por chegar e tudo o resto pareciam partes soltas de um sonho de uma noite mal dormida… Tudo voltava ao piloto automático de altivez e isolamento chique, sem vontade de construir algo em comum com simplicidade e humildade.

(parte 2)

Relativamente à infância de toda esta geração dos anos 80 e 90, um factor interessante ocorreu: as saudosas férias desportivas que a Sociedade Columbófila Cantanhedense organizava! Que ninguém tenha dúvidas: esta iniciativa estruturante foi um pilar importantíssimo na formação de toda esta gente (na qual me incluo) que influenciou todos os contributos que esta geração teve (ou poderia ter tido), tem e terá na nossa sociedade!

Aliando educação, desporto, cultura, saúde ao convívio e boa disposição dos monitores, promovia-se uma aprendizagem fácil de valores de trabalho em equipa, espírito de camaradagem e gosto pela cultura geral nas suas várias vertentes e não apenas nas mais popularuchas.

É natural que os miúdos dessa época passem pela velha sede e se lembrem do papel fantástico que tiveram dirigentes e monitores tais como: Alberto Abrantes, Casas de Melo, Lurdes Silva, Dora Manso, Francisco Cristovão, João Barreto, Tó Vagos, Celsino, Carmo, Pedro Cardoso, Ferreirinha, irmãos Nogueira, Paulo “francês”, Clara Neves, Ferreirinha, entre muitos outros igualmente importantes.

Assim, foi a nossa infância na cidade de Cantanhede, mas depois, na passagem para a adolescência, uma brecha surgiu e não continuou esta fabulosa base que nos unia e misturava independentemente das nossas origens, gostos, descendências, moradas, turmas, etc.

O que faltou? Talvez causas mobilizadoras comuns ou uma cultura de participação em qualquer que fosse o evento desde que fosse levado a cabo por uma entidade de referência para todos nós. É certo que muitos andavam no futebol, na natação, entre outras modalidades desportivas ou passatempos, mas o que também é certo é que nada nos unia, não havia nada de transversal, coisa que já não sucedia nem sucede na maioria das restantes freguesias do concelho: quase todas têm uma associação à volta da qual toda a gente das várias gerações se une e participa nas várias actividades, mesmo naquelas de que nem toda a gente gosta!

Ora, em Cantanhede, resquícios de um bairrismo positivo, “à antiga”, no que respeita a existir um forte apoio dentro da sua comunidade e alguma riqueza cultural podia ser encontrado no “Bairro” de São João, mas que foi perdendo este fulgor devido à perda do seu adversário histórico que era o “bairro” localizado mais ao centro da cidade.

A meu ver, faltou isto mesmo à geração de Cantanhede dos anos 80 e 90… Julgo, no entanto, que quem passou a adolescência por estas bandas nos anos 80 foi ainda mais fustigado, pois se virmos bem: quase não ficou cá ninguém dessa geração, quase todos foram embora!

(parte 3)

Devido ao rótulo elitista colocado (ou existente realmente) na geração jovem de Cantanhede dos anos 80 e 90 (ou pelo menos numa parte dela), algumas razões históricas concretas e muitas outras justificações baseadas no “diz que disse” serviram para solidificar de geração para geração este desconfiado “olhar de lado” para os meninos e/ou senhores da cidade.
Segundo estes pressupostos, as restantes freguesias do concelho não tinham na altura ou, porventura, nunca tiveram no passado grandes afinidades e motivos de simpatia para com Cantanhede, indo um pouco mais longe: para com os tais de quem se dizia “comerem da gaveta”.

Neste particular, algum humor é também necessário, no sentido em que, muitas vezes, perguntava-se a alguém de outra freguesia que dizia não gostar dos “Cantanhedes” o motivo de tal posição e as respostas sempre foram variadas: silêncio, episódios passados de pancadaria, atitudes, bocas ou troca de galhardetes mal resolvidos, encolher de ombros, “não sei, mas não gosto” ou evocação de motivos históricos do tipo “foi por causa disto” sem confirmação de factores anteriores ou paralelos…

Ao longo dos últimos anos, estas barreiras de preconceito, desconfiança e bairrismo invejoso entre “os de Cantanhede e os de fora” foram desaparecendo lentamente em grande parte devido, na minha opinião, a um evento que podemos dizer já marcar a história do nosso concelho: a Expofacic!

Repare-se que, no início desta festa, as pessoas de cada freguesia apenas iam às tasquinhas e stands das suas freguesias, mas ao longo dos anos as coisas foram felizmente mudando… A mistura de gentes começou, laços entre vizinhos (que mudavam de um ano para o outro para não criar zonas rígidas) foram sendo criados, amizades surgiram, trocas de jogadores da bola entre as equipas das terras foram sendo feitas, inclusivamente com… Cantanhede! Entre muitos outros pequenos, mas importantes exemplos.

A Expofacic teve o condão de criar um sentimento de orgulho dos munícipes pelo concelho de Cantanhede, por fazer-nos deixar de ter vergonha de dizer que somos do concelho de Cantanhede. Ora, consequentemente, foi diminuindo também o preconceito (com ou sem razões efectivas e mesmo justificadas) pelos “Cantanhedes” da cidade.




vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional
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segunda-feira, 11 de junho de 2012

GLOBALIZAR PARA REINAR…



Na sociedade actual, para além das dificuldades económicas por que muitas famílias estão e que parece que infelizmente irão ainda passar no futuro de forma mais intensa, a onda de despejo de informação nos meios de comunicação social / mediáticos está literalmente a enlouquecer toda a gente!
Não refiro isto numa perspectiva de aconselhar um “enterrar da cabeça na areia como as avestruzes” ou de alienação, dizendo que devíamos fingir que está tudo bem. Não, de facto, não está tudo bem. Porém há ideias alternativas e os seus portadores merecem, com certeza, ter mais espaço para as apresentarem na sociedade portuguesa, por intermédio da comunicação social / media. Por outro lado, isso não implica por si só que o público as compreenda ou valorize…
Exemplos destas soluções há muitos: a reforma democrática popular da Islândia, as mais de 400 propostas alternativas para o Orçamento de Estado que foram apresentados por movimentos sociais e alguns partidos de real oposição na Assembleia da República, o pedido de auditoria à Dívida Pública feito no dia da Greve Geral, entre outros.
De facto, está a ser permitido ou promovido este desconhecimento. Este fenómeno, se pretendido por quem tem o poder para puxar os cordelinhos nesse sentido, poderá constituir-se claramente como um propósito de ”lavagem cerebral à opinião pública”.
A verificar-se esta suspeita, a intenção não será de difícil discernimento: legitimar a tese da necessária exploração e empobrecimento, apregoada pelo nosso primeiro-ministro (ipsis verbis), para a “miragem da recuperação mais tarde”.
A táctica que está a ser usada na população portuguesa passa por obedecer à troika, aproveitar a troika, lançar rumores, medos, até gerar espaço para a notícia, depois o facto consumado e no final o carimbo social para o corte, não dando tempo para parar para pensar, passando por cima da Constituição e das conquistas do 25 de Abril! Estão a pôr as pessoas umas contra as outras: dividir para reinar…
Chega-se a ponto de se estar a gerar a disputa entre as pessoas comuns sobre qual dos sectores da classe baixa e média ainda merece mais cortes, semeando invejas tacanhas. Guardam-se as grandes fatias do bolo e põe-se, quem não as tem, à luta para evitar o corte em cada mínima migalha!
Dirão muitos, e com razão, que há também razões internacionais para a nossa crise económica actual. Encontramo-nos numa era de capitalismo global sem instituições independentes, íntegras e com legitimidade para regular os mercados, direitos laborais e gestão de riqueza.
Vivemos num mundo globalizado que floresce como selva de aparência cosmopolita, mas que esconde e/ou ampara certos núcleos de concentração de poder económico responsáveis por lentos ou imediatos genocídios em massa: um ataque a tudo o que é público, solidário, humano… Nestas elites, a nação é só uma: o lucro a qualquer custo.
Este modelo de globalização (não tinha que ser só desta maneira, houve caminhos que foram escolhidos) foi um presente envenenado que há muito tinha sido previsto e alvo de alerta com propostas alternativas por muitos políticos e cidadãos comuns.
Não sendo a esmagadora maioria dos cidadãos do nosso planeta peritos em Economia é fácil para qualquer um ver o escândalo que constituem os depósitos em contas off-shore (fundos que não são (re)investidos na sociedade através dos Estados sociais…), exploração de mão de obra barata, especulação bancária, manipulação de comunicação social para gerar oportunidades de negócio, geração de monopólios, negócios de droga e armas, etc.
Os grandes grupos económicos transnacionais são mercenários do seu poder sem nacionalidade única e estão, cada dia mais claramente (já não precisam de se disfarçar democraticamente), no controlo dos destinos do nosso planeta com o ascensão de uma Nova Ordem Mundial.
Esta não era a globalização que queríamos com certeza. É que este mapa permite que muitos poderosos acumulem lucros com a manipulação e especulação dos (seus) instáveis mercados, destruindo a vida de milhões e milhões de pessoas.
Tudo isto não era inevitável. Há que relembrar que esta crise internacional e nacional resulta de decisões que foram tomadas no passado e que foram os políticos que nós (cidadãos de qualquer país, no caso mais premente da União Europeia) escolhemos que as tomaram… Neste ponto, a culpa é nossa…
A este respeito, basta ver as inúmeras estatísticas que circulam na Internet sobre os rendimentos de políticos que estiveram no poder antes, durante e depois das suas passagens por cargos públicos com cargos dourados em empresas privadas com lucros/dividendos acumulados ou em administrações de empresas públicas que acumulam prejuízos precisamente por má gestão… A infeliz verdade é que se tornaram (ou deixaram tornar) em meros “pombos correio” das decisões tomadas pelos grandes grupos económicos.
Após ser abordado este raciocínio, é geralmente, neste ponto de uma conversa, comum entre portugueses ver alguém reagir, numa mescla de resignação e revolta, dizendo que os políticos são todos iguais... A meu ver, esta postura de “meter tudo no mesmo saco” é profundamente errada, contribuindo para o não apurar de responsabilidades e real avaliação do bom ou mau trabalho efectuado por cada um… Sejamos rigorosos: não foram “todos” e sim apenas “alguns” (e das mesmas cores…) que estiveram no poder nos últimos 30 anos. E há ideias e propostas muito diferentes, não são todas iguais não.
Vejamos: o que distingue então os políticos? Os conteúdos que defendem obviamente, pois ser político não é apenas ter boa imagem… Há também outros de mais difícil distinção quanto ao seu “recheio”, não tanto na “casca”.
Como exemplo, comparemos a figura do teimoso José Sócrates com o afável Passos Coelho: formas distintas, conteúdos iguais. Ou até mais do mesmo na segunda versão…


vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional
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segunda-feira, 12 de março de 2012

GRANDE NEGÓCIO OU MERO AZAR?


Ao que (me) parece, este contexto actual nacional e internacional de crise financeira foi gerado por incompetência de uns poderosos e/ou intenção concreta de outros tantos (sendo que nem um grupo nem outro perdeu lucros, muito pelo contrário). Na opinião factual de muitos estudiosos e instituições independentes, foi deliberadamente gerado um clima de paranóia (lembram-se de como surgiu a fraude da gripe H1N1 e de quem com ela beneficiou de forma planeada à priori?), de obsessão pelo corte.

Sejamos francos, muita gente com poder está a querer cortar só pelo cortar em si mesmo, como se fosse uma prova de rigor, de boa gestão, de pôr tudo na linha… Faz lembrar a metáfora do cavalo de corrida inglês: a quem tanta dieta fizeram até que chegou a um ponto que estava tão magrinho, tão como deve ser que… já nem conseguia correr… até que… morreu.

Se no tempo de ditadura esta era prática comum de quem detinha o poder, já nos dias de hoje o pânico gerado pela situação financeira (criada artificialmente?...) permitiu esta oportunidade para muitos pequenos ditadores escondidos entrarem em cena… A História é cíclica e parece estar a repetir o que se via há umas décadas atrás.

Porém sempre houve gente atenta e alerta. Não faltaram desde os anos 70 e 80 diversas figuras e organismos com estudos sérios a alertarem (sempre com propostas alternativas!) para as decisões erradas tomadas a nível nacional e internacional.

No entanto, nessa altura, a classe dominante (talvez em futura causa própria…) defendeu o caminho que nos levou à presente situação, com conivência dos media e a ignorância ou alienação pelo entretenimento da maioria da população que sucessivamente continuou a eleger a mesma nata de governantes.

De uma forma clara ou subtil, os media sempre ajudaram a ridicularizar e catalogar como retrógradas, “velhos do Restelo”, inimigos da modernidade, agarrados ao passado quem defendeu outros caminhos… Tudo isto foi um simples azar, mera coincidência ou infeliz incompetência? Coloquemos a questão fulcral: será que tudo foi planeado, provocado, manipulado por quem teve poder para isso?

Serão fruto do azar, coincidência ou incompetência políticos do bloco central e de direita, responsáveis por decisões desastrosas para os cofres do Estado e para a vida da classe média e baixa, multiplicarem os seus rendimentos após as suas passagens pelo cargos governamentais, conforme a margem de manobra que tenham deixado aos grandes grupos económicos?

As decisões erradas tomadas foram fruto da incompetência e/ou de uma efectiva intenção para colher benefícios privados mais tarde? A quem deram e continuam a dar lucros as parcerias público-privadas, a não tributação dos dividendos, as privatizações de sectores estratégicos a preços de saldo, a nacionalização dos prejuízos do BPN, entre muitos outros casos? A quem o nosso povo permitiu que mandasse nos últimos 30 anos…

No entanto, há que alargar um pouco mais a nossa visão, pois Portugal não é uma ilha isolada e está envolvido naturalmente num contexto global infelizmente influenciado por grupos financeiros trans-nacionais com ideias absolutistas assustadoras…

Prosseguindo nesta perspectiva mais abrangente, podemos reflectir sobre o facto de os governantes não serem mais do que obedientes e subservientes “bons alunos” a qualquer imposição directa ou indirecta vinda destes poderes ilegais… Não sucede só nosso país, outras nações foram e continuam a ser chantageadas, orientadas e controladas neste obscuro processo hierárquico ilegítimo.

A prova de que esta febre não será passageira passa pela intenção de colocar a exigência de um défice anual de 0,5% aos países europeus quando apenas 2 países da Comunidade Económica Europeia conseguiram em 10 anos cumprir a meta de ficar abaixo de 3%. A própria Alemanha não consegui cumprir esta meta em 7 dos referidos 10 anos!…

A questão que se coloca: é possível dizer não e construir o nosso próprio futuro com as nossas alternativas? Países como a Islândia, Argentina, entre outros já provaram que é possível, de acordo com a cultura e recursos de cada país.

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

CORAGEM OU CRUEL SUBSERVIÊNCIA?


Nos actuais debates diários na nossa sociedade, temos vindo a verificar que frequentemente surgem algumas pessoas defender as decisões drásticas tomadas pelo Governo na Saúde, Educação e outros sectores estratégicos, apelidando-as de corajosas…

Será que anunciar medidas que sacrificam a classe baixa e média em detrimento da cada vez mais confortável classe alta é ter coragem? Não será antes subserviência no tipo de acordos celebrados, desde há muitos anos, com a União Europeia e o sistema bancário dominante? Não será até uma fria crueldade por não ter noção do impacto na classe média e baixa que é a base da economia interna do país? De facto, se a demagogia fosse arte, associar coragem a estas medidas seria com certeza uma obra-prima.

Respiremos fundo por momentos e apelemos ao nosso senso comum. É que talvez aqueles que apelidam as sucessivas medidas de austeridade de corajosas o façam por, no fundo, estarem preocupados. Mas preocupados com quê? Por julgarem que porventura poderão estar errados? Por temerem pelo futuro do nosso país? Por recearem pelo prejuízo incalculável na vida das famílias portuguesas?

Temo que não… Infelizmente não julgo existir neste particular qualquer exame de consciência pré, durante ou pós decisão. Parece-me sim existir apenas um certo medo de que a revolta social gerada se vire contra os próprios decisores políticos que nos governam desde o final da década de 70. Ora, este medo acaba por gerar preocupação em quem manda meramente sobre FORMA como se transmitem as decisões tomadas, não sobre o seu conteúdo…

Por exemplo, o próprio Presidente da República tem vindo a dizer que “é preciso evitar que a sociedade SINTA que a distribuição dos sacrifícios é injusta”. Quando o diz critica o conteúdo das medidas ou meramente a forma como são comunicadas?

Tendo em conta que também Cavaco Silva já apelidou as medidas de “corajosas, embora não transpareçam um equilíbrio”, exactamente com a mesma argumentação que outras figuras usaram de modo a defender o conteúdo das decisões, poderemos então, no raciocínio que temos vindo a seguir, considerar que o Presidente de todos os portugueses apenas discorda da forma?... No fundo, estará insatisfeito por não se estar a iludir / disfarçar / enganar o povo de forma tão competente como nos habituaram ao logo de todos estes anos?

Fica a sensação de que o desafio, assumido por todos aqueles que assim pensam, é como melhor convencer a população portuguesa de que uma coisa horrível é necessária, inevitável, até merecida (assim afirma Angela Merkel com imediata concordância de quem nos governa…) e mesmo positiva para a vida da população. Não nos querem ou sabem explicar os cortes, querem sim enganar-nos com os cortes. A prova disso é que quando se pedem esclarecimentos sobre o porquê, para quê e até quando as respostas são… zero.

Sejamos claros e foquemo-nos no importante: um corte num serviço que faz falta à comunidade é um acto de corajosa boa gestão? Um corte em coisas que nada tem a ver com o aumento de produtividade invocando isso mesmo como justificação é um acto de corajosa boa gestão?...

Por que não se verifica como se geriu, quem geriu e quem beneficiou com essa gestão ruinosa, responsabilizando criminalmente e procurando melhorar, rentabilizar e solidificar serviços para a nossa sociedade sem perder direitos fundamentais para a nossa qualidade de vida / sobrevivência? Talvez por que, em primeira instância, encontraríamos precisamente todos os responsáveis nacionais e internacionais pela crise e que nos ordenam os cortes…

vascoespinhalotero@hotmail.com

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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

AS PESSOAS ANDAM MAIS TENSAS…



Nos tempos que correm, assistimos a uma parada contínua de decisões catastróficas para a segurança, qualidade e sobrevivência de vida dos portugueses. Com efeito, começam a existir bastantes (não todas) semelhanças com os tempos do “Antigamente”.

Há tempos, numa conversa entre amigos sobre as diferenças entre o antes e pós 25 de Abril, debatíamos se sofre mais alguém que já viveu em democracia económica e observa com angústia, ao longo da sua vida, a descida para a ditadura económica ou alguém que sempre viveu em ditadura económica e a quem nunca deixaram culturalmente pensar sobre o direito que tinha de viver de outra forma.

O que é certo é que, a nível governamental, decisões inimagináveis há alguns anos são tomadas com uma ligeireza gritante. No geral, a reacção das pessoas tem vagueado pela apatia, resignação, revolta, desvio de atenções para outros temas paralelos para se distrair, culpabilização dos funcionários públicos ou a toda a classe política (metendo tudo no mesmo saco), ou até mesmo desdém por qualquer manifestação devido ao receio de a nossa imagem para o exterior passe de “alunos bem comportados” a refilões e mandriões do sul da Europa para com quem é atitude ponderada exigir juros altos quando se empresta dinheiro…

Infelizmente estes últimos preconceitos injustos estão a enraizar-se na nossa sociedade, é fácil nota-lo nas conversas do dia-a-dia… Na minha opinião, não é coincidência. Há neste fenómeno uma intenção deliberada e o plano tem sido desenhado pelos elementos das elites e dos (seus) representantes… políticos.

Notícias-rumores que passado um tempo de “digestão” passam a notícias-factos-consumado são mediaticamente “encaixadas” pela população à hora dos telejornais. Tudo isto com o auxílio precioso de comentadores vestidos de sábios que “educam” paternalmente e amedrontam a opinião pública com as frases de pai de família: “tinha que ser”, “temos que cortar”, “há que ter rigor”, “a culpa foi dos portugueses”, etc impendido a comunidade de pensar colectivamente sobre onde e como cortar, sobre onde e como investir, sobre de quem é realmente a culpa e sobre em quem podemos confiar para viver numa real democracia social…

Não será nada irreal ou pouco sensato dizer que a maioria da população (classe média e baixa) está a viver uma depressão psicológica colectiva com algumas explosões de agressividade auto-dirigidas ou dirigidas a quem não tem culpa nenhuma!

O resultado desta actual caracterização das nossas gentes sente-se já no nosso dia-a-dia. As pessoas andam tensas, nervosas, “em baixo”, facilmente irritáveis. Estão em ritmo de “bomba relógio”, numa pressão latente que se pode manifestar de forma explosiva com uma mera faísca. Há pessoas com medo sem saberem do quê, de quem ou porquê, o que é extremamente perigoso, pois é desta forma que surgem as atitudes irracionais, defensivas/ofensivas e, assim, se cometem muitos crimes ou actos mal pensados. São os tais comportamentos que a pessoa tem e que depois “diz que nem sabe o que lhe passou pela cabeça” naqueles momentos.

Esta crise (e a forma como esta não está a ser resolvida de forma transparente e justa) está a impor o medo às pessoas da classe baixa e média! Medo de serem apontados como malandros e culpados da crise, medo de que se lembrem de lhes cortar ainda mais, medo de um crime que não cometeram, mas que começam a “pôr na cabeça” e a pensar que cometeram não o tendo de facto feito!

No que respeita à forma como nos estão a tentar “vender a crise, parece-me que é quase como se um criminoso estivesse a convencer outra pessoa inocente a assumir a culpa pelo acto cometido pelo primeiro, utilizando a estratégia mais certeira: fazer a própria pessoa inocente começar a achar que foi mesmo ela própria que cometeu! Existirá crime mais perfeito? Já dizia Hitler que quanto maior for a mentira, mais gente acreditará nela… E foi precisamente num momento de instabilidade social e de medo provocados, em grande parte, pelo seu grupo que o ditador alemão subiu ao poder…

Por outro lado (ou talvez não), cada vez mais assistimos a atitudes reaccionárias, demagogas, populistas por ignorância ou por intenção manipuladora, de espionagem, controlo invasivo da privacidade e da liberdade pessoal. Em termos psicológicos, é fácil e alarmante perceber que o simples cidadão comum está a ficar extremamente ansioso, irrequieto, angustiado e… dominado.

O exemplo vem de cima para baixo, desde o topo das instituições internacionais, passando pela União Europeia, Governo português, administradores, dirigentes intermédios, gestores de empresas até chegar a donos de pequenos estabelecimentos, colegas de trabalho, amigos, família…

Está a tornar-se cada vez mais frequente verificar diariamente a forma como pessoas que têm grandes, médias ou pequenas posições de poder ou de chefia abusam de modo arrogante desse estatuto, rebaixando subordinados ou clientes, por um prazer de autoritarismo disfarçado de rigor. E quando alguém fala em diálogo efectivo, democracia ou respeito pela liberdade pessoal, a resposta é dada infantilizando, ridicularizando, agredindo, marcando para depois vingar…

A democracia, nas suas instâncias e processos formais, já há muito em crise. No entanto, também no nosso dia-a-dia pessoal e/ou laboral de liberdade de debate e troca de ideias, de igual para igual, como refere a Constituição, está a ser abertamente atacada.

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

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