quinta-feira, 9 de abril de 2009

CÁ SE VAI ANDANDO…

Numa altura em que, neste ano de 2009, se vislumbram, no horizonte três eleições, vale a pena reflectir à distância sobre o que já nos acostumamos a ver nestes momentos.

O que assistimos, desde há um bons anos a esta parte, quando chega à altura das eleições, é um desfile de slogans pomposos, fotografias de estado, outdoors de milhares de centímetros/euros, bandeirinhas coloridas de cores sempre renovadas, autocarros recheados de gente ansiosa pela jantarada e concerto de música pimba para animar a malta antes da seca do discurso do político… É certo que nem sempre é assim, mas quanto mais se aproxima a data de ir visitar as urnas, infelizmente, mais comum se torna.

Chamar a tudo isto campanha eleitoral num sistema democrático chega a parecer anedótico… Mas o que é certo é que na hora H funciona! A população entra num estado de alienação, extremismo “clubístico-partidário” exaltado (com direito a claques dos jotas) e esquecimento pela dura realidade do dia-a-dia, só comparável a quando o país pára para ver um derby da bola.
Tudo parece acontecer! Tudo? Não, o debate de propostas concretas cada vez fica mais fora de moda… Quando algum líder político se atreve genuinamente a lançar estas questões, logo surge algum director profissional de campanha que lhe diz baixinho que, assim, afasta potenciais consumidores, perdão, eleitores.
Discutir planos de longo prazo, medidas de base para problemas estruturais e opiniões sobre assuntos mais “complicados” não rendem brilhantes destaques de Telejornal e podem custar descidas nas sondagens. O que é preciso é que o marketing da imagem dos candidatos seja “plasticamente” bem feito. E como “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, o político de intenções genuínas lá acaba por ceder ai director profissional de campanha… De repente, já se acha tudo natural, é assim, tem que ser e por aí fora. Enfim, pensa-se cada vez mais que “essas coisas do que é para fazer ficam para depois das eleições”.

E o que acontece quando acaba a festança, perdão, a campanha das eleições? Volta-se à rotina… As pessoas queixam-se, lamentam-se, gritam… “Despejam o saco” no vizinho que os tem que ouvir (ou aturar…) e vão para casa mais aliviadas por supostamente mostrarem a sua coragem e indignação. “A mim ninguém me cala”, embora só a muito custo consigam vislumbrar propostas alternativas concretas… Alias, muitas vezes, a conversa não tem sequer final construtivo… Porém, quando chegam as eleições, ninguém os ouve … Ou, por vezes, em incoerência-mor, até se ouvem, mas sim a elogiar, empunhando uma bandeirinha ou envergando um crachá, aqueles que apresentaram propostas contra as quais resmungam todos os dias… Pena sim de quem os tem que aturar depois no normal dia-a-dia…

Outros tentam fazer-se ouvir, manifestam-se e apresentam propostas alternativas. Propostas estas que são, sem serem analisadas, à partida ignoradas ou desacreditadas e por quem? Precisamente pelos que apenas se queixam, lamentam, gritam, resmungam sem final construtivo… E estimulados por quem?

Em boa parte, pela tal comunicação social que só aborda os temas “ao de leve”, preferindo o sensacionalismo do caso a caso, transmitindo a sensação de que não há propostas alternativas aos problemas que o país atravessa. Empurra, para um cantinho escondido de destaque, as soluções apresentadas por outros partidos ou movimentos de cidadãos (pois não é necessário pertencer a um partido para ter propostas concretas para a sociedade)... Porquê? Por que não trazem polémica por si só, espectáculo, audiências, contratos publicitários, lucros…

E a quem é que este ciclo de “não faz, nem deixa fazer” dá jeito?... Talvez às elites económicas dos grandes bancos, especuladores, seguros, imobiliárias, construtoras, companhias energéticas, entre outros que nunca estiveram, estão e estarão interessadas em ouvir e perder o seu poder e, acima de tudo, os seus lucros, quer haja crise, quer não.

Diz-se que, hoje em dia, temos liberdade, mas sem igualdade de oportunidades esta valerá, só por si, assim tanto? Sem a garantia de que se é pelo menos ouvido, de que serve falar, queixar, lamentar, gritar, resmungar ou mesmo manifestar construtivamente?

Se, como vimos, a nossa actual democracia é o que é e a nossa actual liberdade vale o que vale, em que é que estamos, afinal, assim tão diferentes de outros regimes com imagem mais rígida? Enfim, como dizia uma célebre canção de Sérgio Godinho, cá se vai andando com a cabeça nas orelhas…

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional
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