sexta-feira, 26 de junho de 2009

EM DEMOCRACIA, QUEM VÊ CARAS NÃO VÊ IDEIAS

Nos dias de hoje, às vezes, ouvimos dizer “não voto nesse político, porque não vou com a cara dele”. E, quando perguntamos sobre o que se pensa acerca das ideias desse político, ouvimos “não sei de nada”.

Seguindo esta lógica, poderemos facilmente considerar como fabulosos candidatos a futuros primeiros-ministros qualquer top-model pouco dada a conversas “demais para a sua cabeça” ou galã de televisão que só sabe o que está escrito no tele-ponto…

Outras vezes, ouvimos “continuo a votar nestes, senão vêm outros e fazem ainda pior”. Nesta lógica, quem vivia na miséria ou era perseguido por algum regime ditatorial continuaria a querer que as coisas ficassem na mesma, antes que ficasse ainda pior…

Frequentemente, ouvimos as pessoas dizer que este Governo é terrível, mas que não vêem solução, porque “os da oposição não têm alternativas, aliás, são a mesma coisa e mal por mal…” Mas a que oposição se referem? A simplesmente outras caras para exactamente as mesmas decisões e prioridades? Ou de outras propostas sobre matérias sobre as quais se tenham manifestado? Se sim, que matérias? E terão mesmo conhecimento das várias propostas? Ou será que tomam as posições do Governo como as únicas que se ouve falar (na comunicação social…) e “ou essas ou nada”?

E não deveria a comunicação social prestar estas informações aos cidadãos (recusando debates apenas a dois e acomodar-se à não existência de verdadeiros debates…), assim como dá destaque às medidas do governo, como se fosse os grandes anúncios de “ou essas ou nada”?

Por que é que quem está contra uma proposta do Governo, explica porquê e apresenta uma proposta concreta alternativa apenas é “transmitido” e apresentado à população, pela comunicação social, com uma frase só, dizendo que está contra?

Assim, aparecem vagos e dispersos os artigos que se fazem nos jornais sensacionalistas ou nos noticiários televisivos! Na televisão, por exemplo, usa-se e abusa-se das notas de rodapé para dar notícias, sem explicação, entrevista e contextualização que só uma reportagem permite.
Ora, para os meios de comunicação social, que se regem pelas audiências e lucros publicitários, as reportagens só valem a pena para os “casos da vida” especialmente dramáticos (onde se prefere esmifrar a miséria do que esclarecer para as causas estruturais de todo o conjunto) ou quando há “cusquice”, “peixeirada” ou “escândalo” sem nunca ir às raízes dos problemas (torcendo até para que mais casos apareçam para aumentar o “share”). É por estas e por outras, que, hoje em dia, se generalizou o mito de que “quando há problema não ligue à polícia, mas sim à TVI”…

À primeira vista, poderíamos achar um exagero a ligação entre o decréscimo de rigor, abrangência e qualidade da comunicação social, especialmente jornais e televisões de canal aberto com mais público, e a falta de debate e de envolvimento dos cidadãos na discussão das diversas propostas (não só as do Governo) para várias matérias essenciais para o país.

Porém, depois vemos o que apenas um bom programa de televisão (“Prós e Contras”) tem feito pelo esclarecimento a sério sobre muitos assuntos, apresentando claramente as visões distintas (alguém acredita que os rumos que levaram processos como o novo aeroporto, aborto, encerramento dos serviços de urgências, entre outros seriam os mesmos sem o “Prós e Contras”?).

No entanto, é apenas um programa de serviço público no meio de tanto “fast food televisivo”… É preciso fazer mais pela discussão continuada, nos meios de comunicação social mais influentes, sobre as várias alternativas, acerca das matérias sobre as quais as pessoas “resmungam de braços caídos”, apresentadas pelos vários partidos ou outros movimentos de cidadãos (pois não é necessário pertencer a um partido para ter propostas concretas para a sociedade)!

Não seria uma boa ideia organizar, nas campanhas eleitorais, debates públicos nas praças de cada freguesia, com apresentação oral e visual (com apresentações simples em power point com limite de tempo), sonorizados de forma a que muita gente possa assistir e efectuar perguntas? Não será isto mais útil, barato e esclarecedor do que cartazes com slogans que não permitem desenvolver as ideias propostas (quando as há)? Aqui a comunicação social teria a responsabilidade de organizar e quem se recusasse a vir deixaria a cadeira vazia à frente de toda a gente…

Tudo isto nos leva ao enigma principal: será por acaso, que este mesmo Governo, que defende muitas políticas com as quais, aparentemente, a maioria não concorda, segundo as sondagens, se prepara para vencer as próximas eleições novamente com maioria absoluta?!

Então, quer dizer que a maioria das pessoas que dará a vitória ao Governo irá votar a favor precisamente das ideias contra as quais todos os dias se têm manifestado (seja em conversas de café, na rua ou “entre-dentes” enquanto vêem um “Telejornal”)?

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional
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