sábado, 7 de julho de 2007

O NEGÓCIO DAS URGÊNCIAS (PRIVADAS)
A questão do encerramento de diversos serviços de urgências em Portugal, supostamente devido ao número insuficiente de utilizadores nalguns pontos, continua na ordem do dia. A argumentação usada tem tanto de incrível como de teimosa, dado ter sido repetidamente utilizada pelo ministro da Saúde até se tornar banal e aceite como natural, óbvia e mesmo necessária pela maioria da população. Passando, na opinião pública, a discutir-se não este argumento sem lógica alguma, mas sim meramente quem é que vai fechar e quem é que se safa.

Trata-se de uma armadilha demagógica cozinhada na frieza das estatísticas que com jeito provam o que se quiser. Como é possível metermos no mesmo saco um utente de uma urgência (esporádico) e um cliente assíduo de um centro comercial? Ir ao centro comercial às compras pode ser um hábito regular Já ir às urgências é uma necessidade, uma excepção nos hábitos regulares das pessoas. Importa, sem dúvida, se a urgência está a 20 km ou a 50 km; se a urgência está aberta 5, 12 ou 24 horas por dia; se tem técnicos que possam prestar os primeiros cuidados, de forma a, pelo menos, estabilizar uma situação de saúde!

É certo que há pessoas que podem ir às urgências por motivos que não o justifiquem, mas, por essas excepções, pagaram todos os outros? Acrescentemos que, se a questão for apenas esta, há que apostar na informação, prevenção e sensibilização para estas situações (que não têm contado com os apoios suficientes, sobrevivendo apenas da boa consciência dos técnicos envolvidos). De forma a que, paradoxalmente ou não, haja menos situações nas urgências, mas que estas não deixem de lá estar, porque, mais dia menos dia ou mais noite menos noite, alguém vai precisar de lá ir!

Importa também, sem dúvida, se o apoio é gratuito ou se vamos pagar 5, 15 ou 50 euros! Parece que, contrariando a Constituição Portuguesa, que nos diz que o direito à saúde deve ser tendencialmente gratuito, as taxas moderadoras e outras criações económicas estão na forja para o serviço nacional de saúde. Se este cenário já é mau, outro pior se avizinha: para substituir as urgências públicas que se fecharem por suposta falta de utentes, surgirão urgências privadas, com os custos certamente no “menu”…

Com este precedente encara-se o custo de um apoio de urgência na área da saúde com o mesmo “olho para o negócio” que o custo de um produto do centro comercial: que poderá subir ou baixar ao sabor do mercado e da (não) concorrência. Sejamos pragmáticos, relativamente aos custos da saúde, no privado a constituição transforma-se apenas em “caixa registadora” e deixa de haver discussão sobre taxas moderadoras, porque quem pode paga, quem não pode…

A luta pela melhoria das urgências e dos seus serviços deveria ser o foco da discussão e não a sua manutenção, mas o “carimbo” da crise serve para cortar em tudo, excepto para buscar os rendimentos fiscais que resolveriam de forma massiva a situação no Estado... É claro que há problemas, acima de tudo, de má gestão, pois é sabido que há serviços que funcionam mal e que gerem mal os recursos disponíveis. Mas a solução é acabar com os serviços ou procurar melhorá-los? Afinal de contas, pretende-se julgar somente ou ajudar a evoluir? Se a intenção é apenas a primeira, a quem interessam os veredictos desse julgamento redutor?

Parece cada vez mais claro que, actualmente, a política do Estado não é melhorar os serviços, é simplesmente denegrir a sua imagem (muitas vezes alimentando preconceitos sobre os serviços públicos que são generalizados sem factos) para cortar em recursos muitas vezes essenciais às populações. Depois coloca-se em causa a qualidade do serviço e apontar-se como solução mágica a sua transferência para o sector privado! Uma receita já conhecida…

Devo referir que não vejo o privado como diabo, nem o publico como santo. Há obviamente pontos fortes, pontos fracos e potenciais sugestões de melhoria para todos os sectores. Julgo, porém, que existem áreas que deveriam ser o pilar seguro de uma sociedade como: Educação, Saúde, Luz, Água, Cultura, Apoio Social, entre outras que deverão estar sempre no domínio público. Outras áreas menos vitais poderão ficar para a concorrência (assegurando que esta acontece de facto, evitando os monopólios) dos privados. Assim, funcionam os países com maior qualidade de vida do mundo: Suécia, Noruega e a tão falada Finlândia!...
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

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