Nas eleições legislativas, nós, cidadãos, votamos em deputados individualmente para nos representarem. Embora estejam, naturalmente, comprometidos com o programa eleitoral consensual do partido a que pertencem, tudo o resto cabe ao seu juízo de consciência. Ou seja, aqui entram os valores que cada um defende para a sociedade enquanto cidadão eleito para pensar pela sua cabeça!
Nesta perspectiva, seria, portanto, óbvio, legítimo e legal que qualquer deputado exercesse o seu direito de voto na Assembleia da República segundo as suas opiniões sobre cada tema. No entanto, surge o choque com a realidade: disciplina de voto implementada pela direcção de uma banca que impede os seus deputados de votar consoante as suas reais convicções.
Adoptando uma postura um pouco mais compreensiva, poderíamos até respeitar as posições consensuais dos partidos, se estes as debatessem real e abertamente nos seus congressos, coisa que não acontece, servindo apenas para agitar bandeiras quando dão as 20 horas de horário nobre de televisão...
Correndo o risco de ser algo redutor: faz algum sentido, num país com um sistema supostamente democrático, que um deputado seja obrigado a votar “não” quando a sua opinião é “sim”? Gostaria de saber se os deputados socialistas (assim como de qualquer outro partido) que deliberada e conscientemente ignoraram a ordem de disciplina partidária vão ou podem vir a ser punidos…
Como é possível um político manter-se íntegro e sincero nos valores em que acredita quando é assim manipulado com um simples fantoche? Quem é que aguenta? Se calhar ninguém!... Assim se afastam cidadãos que poderiam trazer verdade e transparência à política. Já os que aguentam e ficam tornam-se iguais ou mesmo piores dos que os manipulam: elevando os patamares da arte da hipocrisia, demagogia e politiquice cor-de-rosa. É que só assim conseguem sobreviver nesta selva de interesses descarados…
Concluindo, certamente que nós, cidadãos, não votamos para que o deputado que nos representa a nossa zona geográfica seja um “Maria vai com as outras” que levanta o braço como um robot, se os colegas o acordarem da sesta; que lê o jornal desportivo na “seca” dos debates, murmurando que “o que era bom eram uns seis mesitos sem democracia”; que, quando um seu colega fala ao microfone, repete com ar sério até à exaustão, qual canção de infância, “Muito bem, muito bem!”; que “pica o ponto do dia” e vai à sua vida pré-eleitoral, baldando-se a comissões e inquéritos; que à sexta-feira vai mais cedo de fim-de-semana algaraviado logo a seguir a aprovar decisões para o resto da população apertar o cinto e trabalhar “como deve ser” (semana das 65 horas, congelamento de salários, facilitismo na obtenção anos de escolaridade, ordenados chorudos de grandes cargos de confiança política, salvação de bancos de multimilionários em risco, etc).
Às vezes, mete dó reparar nas excursões escolares de crianças que vão à Assembleia da República ver estes tristes exemplos, para quando os miúdos forem grandes… serem iguais a eles?
vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional
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