Em Portugal, de forma quase automática, quase sempre que uma pessoa vai para uma posição de poder (seja numa empresa, associação, clube, partido, grupo, família, etc), logo assume uma de duas posturas (ou então mesmo as duas, embora por fases): a do líder politicamente correcto ou a do ditador autoritário. Parece que tem que ser assim… Ou ficamos com o suposto bonzinho ou o assumido mandão que são, geralmente e surpreendentemente, … adorados (mesmo que deles falem mal nas costas…)!
Motivos para esta adoração (só assim se compreende a aceitação e manutenção de certas pessoas em cargos importantes) podem ser muitos: fascínio, medo, interesse, inveja por não poder fazer o mesmo até que surge uma oportunidade para o poder fazer... Porém, não deixa de ser, de facto, bastante mesquinho e, com certeza, terceiro mundista, por parte de quem chefia, assim como de quem assim é chefiado…
Na minha opinião, na sociedade de hoje (ou talvez de sempre…), o caminho que se faz para se chegar ao poder (com os “sapos que se tem que engolir” e/ou ficar a dever para lá chegar) aliado, quer a uma, quer outra das tais duas posturas de chefia que referi, resulta num convite para o uso e abuso da manipulação para benefícios próprios, atraindo por arrastamento incompetência seguidista e subserviência nos que os rodeiam, aceitando este resignado (ou interesseiro…) “olhe tem quer assim, o que é que a gente há-de fazer”...
Quem assim age com o poder de mandar acaba por convencer-se de que a isso tem direito, pois crê-se mais esperto que o comum dos mortais que o bajula… Assim, podemos, em parte, compreender como a corrupção e tráfico de influências aparecem quer na versão de suposto bonzinho, quer na versão de assumido mandão. Com maior ou menor cuidado com as aparências / descaramento, o resultado é exactamente o mesmo!
Quem encarna uma ou ambas as faces da mesma moeda apenas chama gente, não para reunir e ouvir mais opiniões cara a cara e chegar a consensos sociais e sustentáveis, mas sim apenas para comunicar algo já feito, em jeito de prova de que são os maiores! Com estes hábitos (conscientes ou inconscientes), quase inevitável e naturalmente, palavras como cidadania, democracia e trabalho em equipa são levadas pelo vento nas suas bocas… assumida ou disfarçadamente.
Ora, na visão do povo talvez um pouco mais esclarecido, estas duas posturas possíveis de chefiar ocorrem de uma de duas maneiras: por uma estranha transfiguração pessoal, quando a pessoa chega a essa posição de chefia (diz-se que o “poder lhe subiu à cabeça”), ou por uma mais clara afirmação, sem necessidade de “maquilhagens” de quem já assim era antes de lá chegar.
No entanto, podemos aprofundar ainda mais um pouco a nossa reflexão. A única diferença entre estes dois estilos prende-se somente com o tempo (“até quando”) que se consegue aguentar com a máscara de “bonzinho”, pois, mais tarde ou mais cedo, dada a questionável (in)genuinidade que é colocada nos discursos sobre cidadania, democracia e trabalho em equipa, a “mostarda chega ao nariz”, perde-se a paciência para o teatrinho social e ouve-se alto e bom som: “é assim, porque eu é que mando”!
No geral, parando um pouco para pensar, a visão das tais duas opções de chefiar, como únicas soluções para essa tarefa, é aceite automaticamente por grande parte dos cidadãos / trabalhadores na nossa cultura portuguesa… No entanto, não é só no nosso cantinho lusitano que este fenómeno das chefias duplas infelizmente acontece. A crise internacional, com a sua ditadura desumana dos mercados, está aí para o provar…
vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional
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