Nos tempos que correrem,
vemos o argumento de equidade entre público e privado ser muitas vezes usado
por Governo e Troika, entre outras elites, para justificar cortes, quer num
lado, quer noutro, de uma só vez ou por fases. Enfim, o método parece simples,
estica-se a corda num lado para depois poder fazer o mesmo no outro, tudo em
nome da tal… equidade entre público e privado. Ficamos com a sensação ou pelo
menos com a desconfiança de estarmos perante um entretenimento de dividir para
reinar.
É como se pais dissessem
aos seus dois filhos que, por um ter um brinquedo e o outro não, a solução
seria pôr o brinquedo no lixo para ambos ficarem equitativamente…
insatisfeitos. Curiosamente, este argumento é só usado por quem manda nivelar
por / para baixo…
Por exemplo, numa altura
em que se discute o aumento do tempo mínimo de trabalho no setor público, não
será difícil adivinhar que, daqui a uns tempos, também as horas de trabalho no
privado poderão ser (oficialmente) esticadas… Depois virá muita gente dizer que
no público também se tem de apertar, seguida da anterior reação e assim
sucessivamente até chegarmos aos níveis de exploração do tempo de vida das
pessoas que se praticam em países asiáticos.
De facto não se trata
sequer de aumentar a produtividade, parece pretender-se somente baixar o custo
da mão-de-obra e prolongar o tempo ao seu serviço.
Um facto simples parecer comprovar esta visão. Com o fim dos contratos coletivos
e as portarias de extensão, os trabalhadores do setor privado continuarão a
dizer “muita sorte tenho eu se tiver trabalho” e a ser mais facilmente “espremidos”.
Os colegas do público também o serão por outras vias como, por exemplo, o esvaziamento de funções da
responsabilidade de funcionários públicos para justificar a extinção do posto
de trabalho e o consequente, melhor ou pior disfarçado, despedimento sem justa
causa e/ou, progressivamente, com ausência de indeminização…
Vale a pena recuar um
pouco no tempo e recordar que, desde os primeiros governos dos anos 70 pós 25
de Abril, a aproximação entre setor público e privado era um objetivo assumido
claramente, embora com aspirações positivas bem distintas… Na altura, o desafio
proposto era tornar o emprego no privado equiparado em dignidade e segurança ao
seu “irmão” público. Enfim, de forma genuína, procurava-se nivelar por / para
cima em termos de direitos e deveres. Apenas nas últimas décadas, o conteúdo
desta visão foi (propositadamente?) desvirtuado, o sentido desta aproximação
inverteu-se e agora a lógica parece ser apertar no privado e depois dizer que
os “malandros” do público têm de ir atrás… Ora, porque não se segue o rumo
inverso hoje em dia?...
Quando algum atrevido ou
ingénuo questiona o porquê de não se darem direitos (que não são privilégios, pois
também contêm deveres) que foram estabelecidos no setor público ao setor privado,
o que acontece? Há sempre alguém que responde “popularuchamente”: “pois, é só
direitos, só direitos, então e quem paga a crise”?
Esta estigmatização social
tem vindo a ser aproveitada e/ou estimulada pelos sucessivos Governos e pela troika,
porém as justificações dadas para o corte destas que seriam afinal as efetivas “gorduras”
do Estado (deixando de fora as verdadeiras…) colidem com alguns factos.
Senão vejamos, o peso dos salários na despesa pública é
de apenas 20%, a maior fatia é concentrada em altos cargos (daí a média poder parecer
elevada para o comum cidadão, mas a moda não…) e a percentagem de funcionários
públicos na nossa população ativa é das mais baixas da União Europeia.
Diz-se que a riqueza é gerada pelo privado, mas
também há muita riqueza desviada pelo mesmo, acima de tudo, pelo “grande”
privado e não tanto pelos pequenos comerciantes, no que respeita aos números
redondos.
O argumento da recessão
e/ou da crise tem servido para tudo justificar, no que respeita a medidas
restritivas. Muitas pessoas (embora cada vez menos) têm sido levadas a assumir
como sua / nossa a culpa. Ouvimos e dizemos “nós portámo-nos mal, nós gastamos
muito, nós andamos a viver acima das nossas possibilidades”, saindo a elite nacional
e internacional verdadeiramente responsável de mãos lavadas no meio desta
cantilena ensinada com conivência dos media comentadores. Dividir para reinar à
boleia da crise…
A
ratoeira perversa nesta argumentação é a de instigar que, no público e no
privado, nos convençamos que temos de dar graças para termos emprego e fazer de
tudo só para o manter ou arranjar, pois há que pensar na nossa família,
segurança, sobrevivência…
O medo é
propositadamente criado para gerar obediência cega, para que façamos o que for
preciso para nos safarmos, nem que isso seja indigno, não ético, não produtivo
e/ou ilegal…quer nos demos conta disso, quer (ainda) não.
vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações /
Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional
Leia todos os artigos na Internet em:
www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com
Sem comentários:
Enviar um comentário