As novas tecnologias estão a
mudar a forma como os seres humanos trilham a sua vida em comunidade /
sociedade, com as naturais consequências. Pessoas distanciadas presencialmente
por longos kilómetros encontram solução através da interação via Internet, numa
forma de comunicação com regras, códigos e condutas próprias conscientes ou
inconscientes. É um tipo de comunicação distinto. A opinião geral é a de que é
bom e que dá jeito, mas que não é a mesma coisa que estar cara a cara.
Muito gente diz preferir
assim, pois deste modo o seu espaço é supostamente mantido, não há margem para
intrusos chatos, há tempo para responder e menos incómodo pelo não se estar à
vontade. Podem até dizer-se coisas a quem não se conseguiria uma oportunidade
para tal presencialmente e pode manter-se o seu mundinho pessoal fora do juízo
ou da pressão de um grupo na imprevisibilidade de um momento na hora.
Paradoxalmente, o grau de
exposição das vidas pessoais alargou-se, sendo que a meia dúzia de colegas ou
vizinhos coscuvilheiros pode expandir-se para os milhares e a invasão de
privacidade é transformada num conceito de nota de rodapé, fora de moda, algo
tacanho por alguém meio esquisito, pois se não se divulgar tudo o que faz,
pensa, sente… não se existe! É a regra deste jogo relacional.
Por esta via, poderão surgir
os meros amigos da net, sendo que a distinção relativamente aos amigos da vida
real começa a ser mais confusa. E a diferença entre a vida publicitada na net e a realidade pessoal pode convidar ao
isolamento como proteção desse mito de vida famosa, uma espécie de
esquizofrenia digital.
É, na verdade, estranho ver
grupos de amigos numa mesa em que cada um está agarrado ao seu aparelho digital
sem noção de que estão a ser mal-educados e/ou a desperdiçar uma oportunidade
de conviverem. Há, no entanto, que reconhecer que outros caminhos de partilha são
assim gerados e a adaptação pode ser estimulante, porém a atenção central para
com a(s) outra(s) pessoa(s) é menos paciente e nem parece ser a prioridade.
Segundos focados num só ponto parecem horas desperdiçadas, pois tem-se mais que
fazer…
A questão é que nós sabemos de
tudo isto e mesmo assim… Apesar de se ter consciência clara de que não
substitui a partilha presencial, muitos de nós acham(os) algo encolhidos que,
pronto, já não é mau. No entanto, este “já não é mau”, por vezes, é tudo o que
fica e já nos estamos a acomodar a isso… Seja por falta de à vontade, tempo,
dinheiro ou até fascínio pelas infinitas potencialidades, estamos a tomar esta
opção.
É que esta solução (ou escape)
está ali mesmo à mão, facilmente disponível, quase a qualquer hora e local, no
telemóvel ou no computador, uma tentação complicada de gerir tranquilamente, sem
adição pelo menos. É como se fosse um novo sentido a juntar à audição, visão,
paladar, tato e olfato. O nosso corpo já reage automaticamente a uma luzinha vermelha
no canto superior do ecrã no Facebook
ou ao som e vibração do telemóvel quando chega uma nova mensagem. Há como que
um convite ao condicionamento. Até parece impossível como as pessoas
antigamente vivam sem telemóveis, Internet ou TV Cabo…
Reparemos que até falar ao
telemóvel está progressivamente a ser ultrapassado pela troca de sms ou pelo uso de net, basta estar atento à evolução das ofertas nas campanhas
publicitárias. Será que daqui a uns anos a troca de mensagens escritas ou de
voz pode deixar a conversação em tempo real tão fora de moda ou potencialmente
obsoleta como os telefones de casa hoje em dia ou os telegramas antigamente?…
Quando se começa a pensar
muitos sobre estas matérias e se chega a algumas dúvidas éticas, existenciais
ou humanas, apercebemo-nos que há já respostas prontas. Argumentos práticos
e/ou louváveis guiam-nos rumo a uma aceitação dada sua utilidade para a vida quotidiana. Este pragmatismo
tecnológico aceite socialmente faz com que os que não querem logo aderir aos
sempre mais recentes modelos, redes sociais ou outras potencialidades sejam
vistos como alheados info-excluídos que ainda vivem num século passado.
Há já quem diga que não permanentemente
atento ao e-mail, redes sociais ou telemóvel é uma grave irresponsabilidade,
pois… pode acontecer… alguma coisa! Este medo da perda de controlo acerca da
prevenção e/ou rápida intervenção numa desgraça que pode eventualmente acontecer
é friamente aproveitado nas campanhas publicitárias das corporações com esta
área de negócio.
Como facilmente perceberão, eu
estou reticente, até porque aprecio ficção científica cataclísmica. Costumo ser
dos últimos a aderir a novas tecnologias. É um defeito em parte, pois demoro a
perceber grandes oportunidades de criar e gerir tarefas de forma mais prática.
No entanto, o meu receio (eventualmente
um Adamastor) é o de, seguindo este processo, progressivamente assim nunca estar
desligado da Internet e isso perturbar ou até impedir-me de viver o ambiente ao
meu redor, de escutar pessoas com quem estou naquele momento e/ou até de
focar-me numa só tarefa até ao fim. E sim sinto que isso está a acontecer, já é
difícil “desligar”…
Como final de história, devo
confidenciar que, após ser alvo de algumas ridicularizações por amigos mais
modernaços, especialmente o meu irmão que é dotados nessas artes, e de ter
feito algumas contas, vou cedendo às novas tecnologias… Acabo ou acabarei por
me render, apenas o fazendo mais lentamente do que outros. Pode ser mero
orgulho, mas continuo a achar que… Enfim.
vascoespinhalotero@hotmail.com
(*)
Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação
Vocacional
Leia
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