terça-feira, 29 de dezembro de 2020

É TOP?



Hoje em dia, é muito usada a expressão: “é top”. Antigamente, ouvia-se o mais “fixe”, “porreiro” ou o “altamente” e eu confesso que o preferia. Tudo tem o seu contexto, é verdade, mas também tudo tem implicações e algumas mensagens subliminares para a sociedade fluem deste modo. Pode parecer uma picuinhice, mas passo a explicar a abrangência que aqui julgo discernir.


Na minha opinião, “é top” implica uma ação de comparação e hierarquização do objetivo ou fenómeno. Está a distinguir-se os bons e os maus, elegendo uma elite. Para haver os “top” tem de haver os “down”, pois para haver o que está no pódio também terão de haver os que não lá chegam.


Julgo que este sintoma psico-cultural carrega um pouco como consequência um limite à variedade, ao experimentalismo, à inovação, pois quem arriscar fazer diferente nem sempre “é top” e a maioria das pessoas obviamente gosta da segurança e da aceitação, daí muitas vezes se usar o que está na moda. A mentalidade do “é top” parece, por vezes, algo inflamável do género “se não me dão o que eu quero, tomo uma atitude radical”.


Vi há tempos que o músico Salvador Sobral não tira, nem permite que tirem com ele fotografias tipo selfies, sendo imediatamente criticado, nessas cusquices de futilidades em que facilmente se tornam as redes sociais, acusando-se o artista de ser arrogante e mal educado. Então agora manter o seu direito de reserva de imagem pessoal já é presunçoso e “má onda”? Definitivamente, não será “Top” com certeza…


Como uma possível contraposição (entre muitas outras expressões é claro), o “é fixe” soa-me muito mais a apreciar, degustar, saborear, prezar, aproveitar, enaltecer sem julgar ou denegrir, mais na linha do “está-se bem”, “na boa” ou “tranquilo” que também se ouvem amiúde, nos dias de hoje.


Ora, isto para dizer que, para valorizar algo, não precisamos de, logo a seguir, desvalorizar outros tantos. Às vezes, parece que temos vergonha de estar ali um tempinho a elogiar algo. Ficamos atrapalhados e passamos logo a correr para uma zona de conforto a dizer mal de outras coisas. Sejamos sinceros: não estaremos dessa forma a habituarmo-nos a ter mais prazer a dizer mal do que a dizer bem?


Não quero com isto, de forma alguma, desincentivar o espírito crítico, nada disso, mas acho importante que o elogio num texto não seja apenas uma nota de rodapé e o que é certo é que, tendo em conta a chamada imprensa sensacionalista, a má notícia rende mais audiências do que a boa notícia. E também tenho de reconhecer que, em parte, ao escrever este artigo também estou a dizer mal…


Porque não passar algum tempo (às vezes são só mesmos uns segundinhos no tempo certo) também a elogiar e a usufruir das coisas boas, sem, contudo, deixar de atentar às coisas más e que devem ser melhoradas? “É fixe”, sabe bem e faz bem! Se “é top”, isso já não sei…

 


vascoespinhalotero@hotmail.com


(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional


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