Há quase uma década atrás, gerou-se um movimento artístico e cultural no concelho de Cantanhede denominado coletivo Efervescente, formado por pessoas ligadas a várias artes e ofícios nascidos e/ou residentes no nosso concelho que queriam cruzar conhecimentos e criar produtos artísticos originais aqui e com recursos de cá.
Os seus elementos quiseram contrariar a lógica de ter de ir
lá para fora para se poder assistir e/ou criar espetáculos diferentes e
que, paradoxalmente, só mais tarde já consagrados, são (quando o
são) recebidos por regiões como a nossa. A visão foi (e continua a ser)
poder “gerar e depois exportar” a arte criada no nosso concelho, ligando
tradição e inovação de forma genuína, arrojada e diferenciadora e, assim,
acrescentar referências a Cantanhede no mapa.
Sem ter oficialmente sido formalizada como agência,
produtora, programadora ou associação cultural, sempre devolveu atividades
nesse âmbito, como programação artística e produção técnica em inúmeros eventos
e edições como a passagem de ano na Praia da Tocha, o Festival Rock Of, Festa
d´Anaia, Olhos Music Fest, Magnólia Efervescente, Festas Fulminantes no CCRPena,
Pedreira Efervescente, entre outros. Mais do que fazer, interessava a forma
como se queria fazer, dando prioridade à promoção do valor artístico de bandas
de originais emergentes da região como Senhor Doutor, Dalla Marta,
Salvador d´Alice, Eduardo Martins, Gypos, de DJ´s talentosos que
cá vivem como Sylvain Barreto, DI Vision ou Le Cirque du Freak
e de artistas visuais como Patarra, Vanessa Rodrigues e Cató Ilude.
Também a coragem de deixar de lado opções mais óbvias como
bandas de baile ou de covers, apostando sim na multiculturalidade
musical, como o exemplo do folk guineense dos Maio Coope Djumbai Djazz,
a eletrónica nacional de Ghost Hunt, o punk conimbricense de Victor Torpedo, o rock das Black
Wizards, a música africana de Celeste Mariposa entre muitos outros. Lisboa,
Porto, Coimbra, Gouveia, entre outros destinos no nosso país também não
tardaram a receber iniciativas dirigidas por elementos deste movimento que não
teve receio de arriscar para construir prestígio com personalidade própria.
Hoje em dia, é muito importante
esclarecer que projetos culturais como a Lúcia-Lima Associação Cultural em
Cadima, a Festa d´Anaia na Pena, Catraia na Praia da Tocha, os filmes e
cine-concertos das “4ª Clássicas” em Cantanhede, em parte o desenvolvimento do
próprio CineClub Bairrada, entre outros têm, de uma forma ou de outra, essa
origem e inspiração comum que continua a dar frutos: sim, a Efervescente!
Foi também por aqui que surgiu
o projeto “Cabra Cor de Rosa”, cujo conceito passa pela ligação entre
música, sonoplastia, poesia, entre outros ambientes sonoros como companhia
para cinema, vídeo, fotografia, pintura, entre outras formas de expressão.
A sua obra mais ambiciosa, a longa-metragem “Epopeia Gandareza”, que tem sido
alvo de algum reconhecimento nacional e internacional, também nasce
precisamente neste processo e neste contexto. Não é portanto um evento isolado,
é também ela uma expressão das artes deste movimento.
Ora, tal como as pinturas de Picasso
foram apenas uma das representações do movimento artístico do Cubismo, os
filmes de Fritz Lang foram só uma das formas do Expressionismo Alemão, a
carismática banda “Ena Pá 2000” foi meramente uma das expressões do movimento
artístico português conhecido como Homeoestética ou o cinema do Von Trier foi
somente um dos produtos artísticos resultantes do movimento “Dogma 95”, também
os bons exemplos de projetos culturais que surgiram nos tempos mais recentes no
concelho de Cantanhede que atrás referimos são, nesta perspetiva, “filhos” do
Movimento Artístico Efervescente.
E o que é afinal um movimento
artístico? Trata-se de uma tendência ou estilo em arte com uma filosofia ou
objetivo base comum, seguido por um grupo de artistas, partir de determinada
altura e durante um determinado período de tempo (meses, anos ou décadas) e, em
alguns casos, descrito por um manifesto, concretizado na forma de documento.
Foi o caso da “Efervescente” cujo documento escrito chegou até a ser lido ou
declamado publicamente na Praia da Tocha, no mítico Piolho, assim reza a lenda…
A poetisa Natália Correia dizia que o
melhor que o 25 de Abril trouxe foi a possibilidade das pessoas se organizarem
e é claro que também este movimento artístico teve uma componente social /
coletiva transversal. Teve práticas, linguagens, códigos e símbolos próprios,
sejam conscientes ou inconscientes, feitos por… pessoas. Essas caras têm rosto
e correndo o inevitável risco de esquecer alguém (por isso peço desculpa
antecipadamente) julgo ser importante reconhecer quem esteve lá e participou
ativamente num processo que teve o seu toque de ideologia utópica, mas também
de concretização pragmática.
Pessoas como Johnny Gil, Luís Cebola,
Hugo Guerra, Vanessa Rodrigues, Diogo Marques, David Breda Silva, eu
próprio, Sérgio Costa, João Toscano, Vasco Faim, Vasco Carvalho, Cató, Eduardo
Martins, João de Matos, Pilú, João Costa, Francisco Faria entre outros.
A valorização do legado do Coletivo
Efervescente por parte da nossa região é devida e merecida. O presente e o
futuro são o passo seguinte.
A aposta neste potencial de experiência e inovação para um nível mais elevado de exposição e responsabilidade, no desenvolvimento de caminhos culturais, artísticos e sociais, é o passo seguinte. Esperemos que seja aproveitado, a nossa “prata da casa” merece.
“Andamento!”
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