Há alguns meses atrás,
devido a condições meteorológicas anormais que assolaram especialmente a Região
Centro do nosso país, muitas áreas e populações ficaram sem luz, água,
televisão, rádio, telefone fixo, telemóveis e internet durante alguns dias,
nalguns casos semanas. Apesar das graves e infelizes circunstâncias,
porventura, por instantes, permitiu-nos também fazer uma pausa para refletir
sobre o tipo de vida que fazemos e sobre como nos habituamos a relacionar uns
com os outros e com o meio envolvente.
Obviamente que naquele
terrível temporal uma espécie de nó no estômago surgiu ao darmo-nos conta da
dependência absoluta de vários meios para fazermos qualquer coisa, para
comunicamos, para…vivermos? Houve gente que passou muito mal e pior poderia
ainda ter sucedido, mas esta consciência da nossa fragilidade abriu, por
momentos, uma oportunidade…
Vejamos então. Naquela
altura, temas de conversa que normalmente são sempre adiados e constituem a
nossa base, por um lado, de falta de planeamento, análise, conhecimento racional
sobre vários temas da nossa sociedade e, por outro lado, de
relacionamento/valorização/preocupação genuína emocional de uns com os outros. Por
exemplo, provavelmente lembrámo-nos das tragédias das chuvas na Madeira ou do
rio Mississipi em Nova Orleãs e compreendemos melhor o sofrimento daquela
gente…
Indo um pouco mais longe,
tivemos oportunidade para refletir sobre até que ponto as condições / bens
materiais em falta (luz, água, meios de comunicação, etc) eram efetivamente fundamentais,
por comparação com outros com níveis de utilidade e prazer proporcionado de
facto diferentes…
Não esquecendo a base que é
a liberdade individual de escolhas / gostos de cada indivíduo (desde que não
prejudique outro obviamente, cada um pode gostar do que lhe apetece) podemos
parar para pensar no seguinte: nesta sociedade consumista em que se gera a
necessidade de ter/comprar, até que ponto ao nos termos deixado levar nesta
onda não ficámos frágeis, controlados, dependentes, mais amorfos, menos humanos
e… infelizes?
É certo que talvez
necessitemos efetivamente de algumas coisas matérias que temos e de outras que
(ainda) não temos, especialmente nesta altura de escassez financeira. Porém, talvez
não necessitemos de muitas das coisas que somos levados a adquirir, afinal de
contas, quem não sentiu já isso ao voltar de um super-mercado cheio de compras
inúteis que não tinha planeado fazer antes de lá entrar? No entanto, com
certeza que gostaríamos de ter a liberdade de escolher e não de ter de cortar à
força…
Ora, naqueles dias de tempestade,
estas conversas surgiram, não de modo passivo a ver os ilustres comentadores na
televisão, mas sim em casa com a família, amigos, vizinhos, meros conhecidos e/ou
até estranhos que não se conhecia de lado nenhum. Por alguns instantes, todos sentimos
que, de facto, estávamos no mesmo barco e aí foi fácil pensar no mais
importante: a vida das pessoas em primeiro lugar (o que deveria ser feito
prioritariamente, como deveria ser protegida).
Este debate genuíno, embora agoniado
no momento, deu-nos uma oportunidade, para dar conta que uma democracia /
cidadania popular, próxima, sincera e responsável é/seria possível ou, pelo
menos, mais fácil…
O que aconteceu de especial na
pausa do temporal então? As pessoas puderam, precisaram e quiseram estar
juntas, a falar ou a partilhar silêncios, talvez, acima de tudo, pela
companhia. Para pequenas ou grandes coisas, deu-se e recebeu-se ajuda de igual
para igual e sem falsas caridades, não por para parecer bem ou fazer figura,
mas sim porque fazia sentido.
As pessoas comunicaram, reagiram,
fizeram algo em prol de toda a gente. Sim, foram soluções de “desenrasque”, mas
também houve espaço para pensar como deveriam a casa, a comunidade e a
sociedade ser devidamente planeadas e geridas em conjunto e para o maior benefício
possível de todos.
Claro que temos de ter noção
de que aquele momento (se é que de facto aconteceu) foi um rasgo disperso, não
organizado nem consequente, pois tudo passa à medida que voltamos à dita
normalidade… Com o tempo, todos voltámos à nossa “vidinha”.
vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos
Humanos / Desporto / Orientação Vocacional
Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com
Sem comentários:
Enviar um comentário