terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

NÃO SEI, MAS QUERIA FAZER ALGO DIFERENTE (1ª parte)


Antigamente, a profissão era, muitas vezes, herdada por tradição familiar, numa suposta continuidade de características genéticas relativas a interesses e capacidades transmitidas de geração em geração: “filho de peixe sabe nadar”. No entanto, com o avançar da História, as tradições e mentalidades foram, inevitavelmente, mudando…

As novas gerações, em princípio, ganharam mais espaço para seguir os seus interesses e capacidades. Os pais, embora de olho franzido, lá foram entendendo, em parte, o espaço de decisão que os filhos teriam direito. Esta compreensão parental mais facilmente foi surgindo quando às opções de vida apresentadas estavam associadas saídas profissionais, salários e/ou até o estatutos sociais mais risonhos...

Esta nova liberdade de escolha para a juventude trouxe obviamente também responsabilidades e nem tudo foi um mar de rosas... Surgiram também entre os “novos” alguns focos de sobranceria “chique”, pois os jovens passaram a olhar, com alguma vergonha, para os labores tradicionais como algo associado aos “velhos”. Muitos tipos de trabalho passaram a ser conotados como algo meramente familiar, local, fora de moda e/ou pouco ambicioso numa sociedade moderna em se quer ser “fixe” ou “cool”.

O mesmo fenómeno ocorreu quanto às tradições culturais das comunidades, que sendo transmitidas e representadas (com algumas inovações também) durante décadas e gerações, “emperraram” nestas últimas fornadas (das quais também faço parte). Dizia-se que aquilo era um bocado “foleiro”.

Ora, julgo que tudo isto criou uma quebra de partilha de experiências, de interesse, de respeito e de valorização cultural / ocupacional entre as várias gerações no nosso país. Deixou de haver um fio contínuo. Isso prejudicou a (re)construção permanente de uma identidade, quiçá orgulho, na singularidade que é viver em Portugal.

E depois chegou a crise… Afinal, este novo modelo de sociedade com cultura de “centro comercial” também tinha faturas (não só económicas, mas também sociais, culturais, etc) e a situação tem sido dramática para muitas famílias. Porém também boas oportunidades surgem (genuínas e não de exploração) que mais à frente abordaremos…

No que respeita ao mundo das organizações, hoje em dia, o lema do emprego / trabalho para toda a vida tornou-se dificilmente concretizável. Com os altos níveis de desemprego, é comum ter que (mas também querer) mudar de trabalho, quer por necessidades do mercado, quer por vontade pessoal.

Por um lado, numa sociedade de consumo e de negócios o que hoje dá muito dinheiro, amanhã poderá já ser obsoleto. O binómio instabilidade versus adaptação no trabalho constitui-se como regra (ou custo) fundamental deste jogo de expansão / sobrevivência num mundo concorrencial.

Por outro lado, muitas pessoas quando são crianças ou jovens sonham fazer algo no futuro e acabam por não ter oportunidade para o concretizar em adultos ou então até o conseguem fazer, podendo, contudo, mais tarde estagnar numa rotina que esvazia o prazer da realização dessas tarefas.

Enquanto que algumas pessoas conseguem reinventar-se, manter a “chama acesa” sem mudar de ofício e/ou acabam por ter estabilidade externa / oportunidade laboral para isso, já com outras isso não sucede e chegam a fases da vida em que se questionam sobre soluções alternativas para o seu rumo profissional.

Estes estados de indefinição, como um limbo, podem suceder em qualquer momento, até mesmo quando já se fizeram muitos anos de “desconto”. Também na passagem para a aposentação / reforma, surge a questão de o que fazer agora que se tem tempo. Mais do mesmo, mas com um ritmo mais tranquilo? Ou coisas novas que sempre geraram uma tímida (quiçá nunca assumida) curiosidade? Ou então algo completamente diferente com que nunca, mesmo nunca, se pensou?...


vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com

NÃO SEI, MAS QUERIA FAZER ALGO DIFERENTE (2ª parte)


Mais tarde ou mais cedo, por iniciativa própria e/ou por imposição de outrem, pelo menos, numa altura da vida adulta, uma pessoa reflete noutros tipos de atividades ocupacionais (seja a tempo inteiro, a meio tempo e/ou para os tempos livres) que fogem à nossa formação atual e/ou original. Fica-se a pensar: “será que podia fazer outra coisa”?

Muito provavelmente pode acontecer ou já aconteceu mesmo a cada um de nós. A tensão congela, os pensamentos começam remoer e uma vozinha angustiada lá de dentro diz-nos: “deixa lá isso, senão ficas triste com o que a tua vida poderia ter sido”. De facto, se este movimento se fizer apenas assim tudo se torna somente assustador…

Porém a vida vai-se fazendo como uma obra de arte em construção permanente. Às vezes, tem maneiras, para além das desculpas, e outra vozinha mais desenrascada lá de dentro pode dizer-nos: “e porque não”?

A verdade é que este impasse pode transformar-se num exercício interessante. Um desafio e uma oportunidade para nos descobrimos mais a fundo, testarmos um pouco os nossos limites, porventura explorar novas competências que não pensávamos poder desenvolver. Assim, sente-se que se tem mesmo que fazer alguma coisa, mas… o quê? E com que ajuda se pode contar?

Ora, numa reorientação vocacional deste tipo, pouco depois tudo começa assim: “não sei, mas queria fazer algo… diferente”. Trata-se de um processo que se inicia desta forma com uma faísca que leva a um rastilho que gera uma fogueira. A necessidade aguça o engenho e a vontade facilita a solução… Acima de tudo, nunca é tarde!

Frequentemente, muitos talentos são assim revelados ou até apenas relembrados, pois há “pequenas” coisas que gostamos de fazer já desde a infância e que nestas alturas se podem transformar em projetos concretos de adulto. No fundo, talvez tenham até sido as nossas vocações mais originais.

Atenção que o mais comum é termos várias vocações e não apenas uma. Devo alertar até que o fatalismo do que “a vida poderia ter sido” por não termos seguido a “nossa real vocação” contribui somente para desistir deste processo e com mágoa redobrada…

O que normalmente acontece é que uma pessoa adulta se dá conta que, por diversos motivos (financeiros, saídas profissionais, proximidade de casa ou estatuto socio-profissional, etc), até aquele momento de vida, outras vocações, que afinal tinha, foram postas de lado no seu passado nas alturas de fazer escolhas (conscientemente ou não).

Mas calma, querendo há sempre a tempo, pois provavelmente as coisas só acontecem quando… têm que acontecer.


vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

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NÃO SEI, MAS QUERIA FAZER ALGO DIFERENTE (3ª parte)


Não é raro conhecermos casos de alguém que, citando alguns exemplos ficcionais, foi para médico, mas o que sempre gostou mesmo foi tratar das vinhas, de alguém que foi para informática, no entanto desde cedo demonstrou habilidade para costurar e criar roupa, de alguém que foi para contabilidade, porém há muito que adora pintar e outras artes, de alguém que foi para enfermeiro e que tem queda para a escrita ou teatro, de alguém está num banco adorando atividades ao ar livre, de alguém que foi meramente para “engenheiro” e que se delicia com trabalhos manuais com madeiras, etc.

Curiosamente, numa situação de crise económico-social, muitas pessoas têm que se dedicar a segundas vias profissionais, acabando por descobrir ou redescobrir alternativas viáveis em atividades para as quais, em crianças e jovens, já lhes diziam terem jeito. São estas as tais boas oportunidades (genuínas) que as crises trazem, fazem levar estas “maluquices” mais a sério e a dizer-lhes… sim.

É que no entusiasmo deste novo balanço vocacional, as renitências por preconceito ou estereótipo em assumir estes projetos de vida acabam por se desvanecer. Mais facilmente se defende um labor que não tem tanto (pretenso) estatuto social se for o caso, pois nesta fase já não se quer ser “doutor” nem “engenheiro” só por ser.

Já ouvimos dizer com orgulho ou naturalidade, sem complexos, “sou mecânico(a)”, “sou pintor(a)”, “sou costureiro(a)”, “sou jardineiro(a)” ou outra coisa qualquer, pois é o que se gosta de fazer e mai(s) nada!

Nalguns casos, a mudança é mesmo feita de armas e bagagens. Noutros casos conjugam-se atividades que já se faziam com estas novas ou reacendidas paixões que se podem consubstanciar num segundo trabalho / emprego ou num hobbie para os tempos livres.

Não deixo de pensar que o assumir, na idade adulta, destes sonhos ainda possíveis de realizar, pondo “mãos à obra”, é um ato de comunhão com o passado pessoal (muitas vezes longínquo, datando aos primeiríssimos anos de vida) de cada um e com as escolhas boas e más que se fazem. Não desistindo de ir construindo o seu percurso, porque se calhar era assim que tinha de ser…

Há quem diga que as “velhas” profissões estão a voltar, que a História é cíclica, que o tempo das “coisas de plástico” está a passar e que as pessoas preferem confiar no que é caseirinho. Talvez sim.

Eu considero que nos atuais movimentos de reorientação vocacional, para além do benefício para a própria pessoa, também a sociedade ganha. É que aprende-se a respeitar outras profissões, outras gerações, outros tempos e realidades, outros estilos de vida, outros passados, presentes e futuros…

Nesta perspetiva, o papel de cada um de nós para contribuir para a sociedade é olhar para dentro de si e (re)descobrir coisas para as quais tinha/tem jeito e fazer algo disso, fazendo o exercício de análise sozinho ou com a ajuda de amigos, família e/ou de um técnico profissional em entrevista e testes. Porque trilhar o seu caminho para ser mais feliz vale a pena…

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

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