quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

OS CANTANHEDES DA CIDADE (parte 1)

A infância e adolescência (ou juventude, como preferirem) são fases na vida de um ser humano muito importantes para o “limar” da sua personalidade, assumindo particular importância os valores da família, dos amigos e da comunidade local. Relativamente a este último pormenor, revela-se interessante analisar o caso da cidade de Cantanhede, mais propriamente das gerações (a que também pertenço) que aqui passaram os seus períodos de infância e adolescência durante os anos 80 e 90.

Comecemos pela adolescência. Estas gerações em Cantanhede dividiam-se em vários grandes grupos: os “meninos bem”, os “queques”, os “freaks”, a “malta do bairro” (de zonas mais desfavorecidas economicamente). As suas bases de inter-relacionamento pessoal eram estabelecidas em zonas distintas, casas de amigos e/ou cafés/bares onde só se atrevia a entrar pessoal dos grupos dominantes.

Na falta de maiores desafios, o “corte e costura” de gozo e maldizer por demais evidente era (e ainda é?...) a arma de defesa de cada grupo mais frequentemente utilizada. Assim se acentuavam as fronteiras com “os outros” e reforçava essa prática depreciativa como a típica e valorizada maneira de ser de toda a gente do grupo. Mesmo daqueles que com isso não concordavam, mas a quem o tempo acabava por dobrar. “Junta-te aos bons serás um deles, junta-te aos maus serás pior do que eles”.

Nestas guerras de protagonismos de bota-abaixo, o grupo dos “meninos bem” sempre deu as cartas mais altas, exibindo roupas de marca e apregoando as suas ligações familiares ou laborais às cidades de alto nível, enquanto marcas registadas do seu “pedigree” distinto do restante povo jovem de Cantanhede.

Ora, este grupo de pequenos “jet-set” acabou por ser apontado como prova cabal por quem acusava o pessoal de Cantanhede de revelar desprezo relativamente ao resto do concelho. Nesta imagem elitista se baseava o pessoal de fora da cidade para justificar a sua antipatia, não apenas por este grupo, mas por todos os “Cantanhedes” que assim eram colocados no mesmo saco, mesmo aqueles que pertenciam aos restantes grupos que não partilhavam as características do tal grupo das pompas e circunstâncias.

Ora, sucedia que toda esta malta dos vários grupos da cidade só se misturava quando abria um café ou bar novo. Aí, nesses momentos sentia-se ou fingia-se existir um espírito de comunidade entre a juventude de Cantanhede. Porém, no fundo, as coisas não passavam de sorrisos de circunstância entre quem fazia que não sabia quem era o outro ou abraços de aparente euforia de quem já não se via há muito tempo (como se não se cruzassem todos os dias na rua ou escola ignorando-se propositadamente ou não)…

Contudo as ressacas do normal dia-a-dia formatado e rotineiro nos tais grupos bem distintos acabavam rapidamente por chegar e tudo o resto pareciam partes soltas de um sonho de uma noite mal dormida… Tudo voltava ao piloto automático de altivez e isolamento chique, sem vontade de construir algo em comum com simplicidade e humildade.

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional
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