quarta-feira, 16 de março de 2016

OS AMIGOS DA NET


As novas tecnologias estão a mudar a forma como os seres humanos trilham a sua vida em comunidade / sociedade, com as naturais consequências. Pessoas distanciadas presencialmente por longos kilómetros encontram solução através da interação via Internet, numa forma de comunicação com regras, códigos e condutas próprias conscientes ou inconscientes. É um tipo de comunicação distinto. A opinião geral é a de que é bom e que dá jeito, mas que não é a mesma coisa que estar cara a cara.

Muito gente diz preferir assim, pois deste modo o seu espaço é supostamente mantido, não há margem para intrusos chatos, há tempo para responder e menos incómodo pelo não se estar à vontade. Podem até dizer-se coisas a quem não se conseguiria uma oportunidade para tal presencialmente e pode manter-se o seu mundinho pessoal fora do juízo ou da pressão de um grupo na imprevisibilidade de um momento na hora.

Paradoxalmente, o grau de exposição das vidas pessoais alargou-se, sendo que a meia dúzia de colegas ou vizinhos coscuvilheiros pode expandir-se para os milhares e a invasão de privacidade é transformada num conceito de nota de rodapé, fora de moda, algo tacanho por alguém meio esquisito, pois se não se divulgar tudo o que faz, pensa, sente… não se existe! É a regra deste jogo relacional.

Por esta via, poderão surgir os meros amigos da net, sendo que a distinção relativamente aos amigos da vida real começa a ser mais confusa. E a diferença entre a vida publicitada na net e a realidade pessoal pode convidar ao isolamento como proteção desse mito de vida famosa, uma espécie de esquizofrenia digital.

É, na verdade, estranho ver grupos de amigos numa mesa em que cada um está agarrado ao seu aparelho digital sem noção de que estão a ser mal-educados e/ou a desperdiçar uma oportunidade de conviverem. Há, no entanto, que reconhecer que outros caminhos de partilha são assim gerados e a adaptação pode ser estimulante, porém a atenção central para com a(s) outra(s) pessoa(s) é menos paciente e nem parece ser a prioridade. Segundos focados num só ponto parecem horas desperdiçadas, pois tem-se mais que fazer…

A questão é que nós sabemos de tudo isto e mesmo assim… Apesar de se ter consciência clara de que não substitui a partilha presencial, muitos de nós acham(os) algo encolhidos que, pronto, já não é mau. No entanto, este “já não é mau”, por vezes, é tudo o que fica e já nos estamos a acomodar a isso… Seja por falta de à vontade, tempo, dinheiro ou até fascínio pelas infinitas potencialidades, estamos a tomar esta opção.

É que esta solução (ou escape) está ali mesmo à mão, facilmente disponível, quase a qualquer hora e local, no telemóvel ou no computador, uma tentação complicada de gerir tranquilamente, sem adição pelo menos. É como se fosse um novo sentido a juntar à audição, visão, paladar, tato e olfato. O nosso corpo já reage automaticamente a uma luzinha vermelha no canto superior do ecrã no Facebook ou ao som e vibração do telemóvel quando chega uma nova mensagem. Há como que um convite ao condicionamento. Até parece impossível como as pessoas antigamente vivam sem telemóveis, Internet ou TV Cabo…

Reparemos que até falar ao telemóvel está progressivamente a ser ultrapassado pela troca de sms ou pelo uso de net, basta estar atento à evolução das ofertas nas campanhas publicitárias. Será que daqui a uns anos a troca de mensagens escritas ou de voz pode deixar a conversação em tempo real tão fora de moda ou potencialmente obsoleta como os telefones de casa hoje em dia ou os telegramas antigamente?… 

Quando se começa a pensar muitos sobre estas matérias e se chega a algumas dúvidas éticas, existenciais ou humanas, apercebemo-nos que há já respostas prontas. Argumentos práticos e/ou louváveis guiam-nos rumo a uma aceitação dada sua utilidade  para a vida quotidiana. Este pragmatismo tecnológico aceite socialmente faz com que os que não querem logo aderir aos sempre mais recentes modelos, redes sociais ou outras potencialidades sejam vistos como alheados info-excluídos que ainda vivem num século passado.

Há já quem diga que não permanentemente atento ao e-mail, redes sociais ou telemóvel é uma grave irresponsabilidade, pois… pode acontecer… alguma coisa! Este medo da perda de controlo acerca da prevenção e/ou rápida intervenção numa desgraça que pode eventualmente acontecer é friamente aproveitado nas campanhas publicitárias das corporações com esta área de negócio.

Como facilmente perceberão, eu estou reticente, até porque aprecio ficção científica cataclísmica. Costumo ser dos últimos a aderir a novas tecnologias. É um defeito em parte, pois demoro a perceber grandes oportunidades de criar e gerir tarefas de forma mais prática.

No entanto, o meu receio (eventualmente um Adamastor) é o de, seguindo este processo, progressivamente assim nunca estar desligado da Internet e isso perturbar ou até impedir-me de viver o ambiente ao meu redor, de escutar pessoas com quem estou naquele momento e/ou até de focar-me numa só tarefa até ao fim. E sim sinto que isso está a acontecer, já é difícil “desligar”…

Como final de história, devo confidenciar que, após ser alvo de algumas ridicularizações por amigos mais modernaços, especialmente o meu irmão que é dotados nessas artes, e de ter feito algumas contas, vou cedendo às novas tecnologias… Acabo ou acabarei por me render, apenas o fazendo mais lentamente do que outros. Pode ser mero orgulho, mas continuo a achar que… Enfim.


vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

NÃO SEI, MAS QUERIA FAZER ALGO DIFERENTE (1ª parte)


Antigamente, a profissão era, muitas vezes, herdada por tradição familiar, numa suposta continuidade de características genéticas relativas a interesses e capacidades transmitidas de geração em geração: “filho de peixe sabe nadar”. No entanto, com o avançar da História, as tradições e mentalidades foram, inevitavelmente, mudando…

As novas gerações, em princípio, ganharam mais espaço para seguir os seus interesses e capacidades. Os pais, embora de olho franzido, lá foram entendendo, em parte, o espaço de decisão que os filhos teriam direito. Esta compreensão parental mais facilmente foi surgindo quando às opções de vida apresentadas estavam associadas saídas profissionais, salários e/ou até o estatutos sociais mais risonhos...

Esta nova liberdade de escolha para a juventude trouxe obviamente também responsabilidades e nem tudo foi um mar de rosas... Surgiram também entre os “novos” alguns focos de sobranceria “chique”, pois os jovens passaram a olhar, com alguma vergonha, para os labores tradicionais como algo associado aos “velhos”. Muitos tipos de trabalho passaram a ser conotados como algo meramente familiar, local, fora de moda e/ou pouco ambicioso numa sociedade moderna em se quer ser “fixe” ou “cool”.

O mesmo fenómeno ocorreu quanto às tradições culturais das comunidades, que sendo transmitidas e representadas (com algumas inovações também) durante décadas e gerações, “emperraram” nestas últimas fornadas (das quais também faço parte). Dizia-se que aquilo era um bocado “foleiro”.

Ora, julgo que tudo isto criou uma quebra de partilha de experiências, de interesse, de respeito e de valorização cultural / ocupacional entre as várias gerações no nosso país. Deixou de haver um fio contínuo. Isso prejudicou a (re)construção permanente de uma identidade, quiçá orgulho, na singularidade que é viver em Portugal.

E depois chegou a crise… Afinal, este novo modelo de sociedade com cultura de “centro comercial” também tinha faturas (não só económicas, mas também sociais, culturais, etc) e a situação tem sido dramática para muitas famílias. Porém também boas oportunidades surgem (genuínas e não de exploração) que mais à frente abordaremos…

No que respeita ao mundo das organizações, hoje em dia, o lema do emprego / trabalho para toda a vida tornou-se dificilmente concretizável. Com os altos níveis de desemprego, é comum ter que (mas também querer) mudar de trabalho, quer por necessidades do mercado, quer por vontade pessoal.

Por um lado, numa sociedade de consumo e de negócios o que hoje dá muito dinheiro, amanhã poderá já ser obsoleto. O binómio instabilidade versus adaptação no trabalho constitui-se como regra (ou custo) fundamental deste jogo de expansão / sobrevivência num mundo concorrencial.

Por outro lado, muitas pessoas quando são crianças ou jovens sonham fazer algo no futuro e acabam por não ter oportunidade para o concretizar em adultos ou então até o conseguem fazer, podendo, contudo, mais tarde estagnar numa rotina que esvazia o prazer da realização dessas tarefas.

Enquanto que algumas pessoas conseguem reinventar-se, manter a “chama acesa” sem mudar de ofício e/ou acabam por ter estabilidade externa / oportunidade laboral para isso, já com outras isso não sucede e chegam a fases da vida em que se questionam sobre soluções alternativas para o seu rumo profissional.

Estes estados de indefinição, como um limbo, podem suceder em qualquer momento, até mesmo quando já se fizeram muitos anos de “desconto”. Também na passagem para a aposentação / reforma, surge a questão de o que fazer agora que se tem tempo. Mais do mesmo, mas com um ritmo mais tranquilo? Ou coisas novas que sempre geraram uma tímida (quiçá nunca assumida) curiosidade? Ou então algo completamente diferente com que nunca, mesmo nunca, se pensou?...


vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com

NÃO SEI, MAS QUERIA FAZER ALGO DIFERENTE (2ª parte)


Mais tarde ou mais cedo, por iniciativa própria e/ou por imposição de outrem, pelo menos, numa altura da vida adulta, uma pessoa reflete noutros tipos de atividades ocupacionais (seja a tempo inteiro, a meio tempo e/ou para os tempos livres) que fogem à nossa formação atual e/ou original. Fica-se a pensar: “será que podia fazer outra coisa”?

Muito provavelmente pode acontecer ou já aconteceu mesmo a cada um de nós. A tensão congela, os pensamentos começam remoer e uma vozinha angustiada lá de dentro diz-nos: “deixa lá isso, senão ficas triste com o que a tua vida poderia ter sido”. De facto, se este movimento se fizer apenas assim tudo se torna somente assustador…

Porém a vida vai-se fazendo como uma obra de arte em construção permanente. Às vezes, tem maneiras, para além das desculpas, e outra vozinha mais desenrascada lá de dentro pode dizer-nos: “e porque não”?

A verdade é que este impasse pode transformar-se num exercício interessante. Um desafio e uma oportunidade para nos descobrimos mais a fundo, testarmos um pouco os nossos limites, porventura explorar novas competências que não pensávamos poder desenvolver. Assim, sente-se que se tem mesmo que fazer alguma coisa, mas… o quê? E com que ajuda se pode contar?

Ora, numa reorientação vocacional deste tipo, pouco depois tudo começa assim: “não sei, mas queria fazer algo… diferente”. Trata-se de um processo que se inicia desta forma com uma faísca que leva a um rastilho que gera uma fogueira. A necessidade aguça o engenho e a vontade facilita a solução… Acima de tudo, nunca é tarde!

Frequentemente, muitos talentos são assim revelados ou até apenas relembrados, pois há “pequenas” coisas que gostamos de fazer já desde a infância e que nestas alturas se podem transformar em projetos concretos de adulto. No fundo, talvez tenham até sido as nossas vocações mais originais.

Atenção que o mais comum é termos várias vocações e não apenas uma. Devo alertar até que o fatalismo do que “a vida poderia ter sido” por não termos seguido a “nossa real vocação” contribui somente para desistir deste processo e com mágoa redobrada…

O que normalmente acontece é que uma pessoa adulta se dá conta que, por diversos motivos (financeiros, saídas profissionais, proximidade de casa ou estatuto socio-profissional, etc), até aquele momento de vida, outras vocações, que afinal tinha, foram postas de lado no seu passado nas alturas de fazer escolhas (conscientemente ou não).

Mas calma, querendo há sempre a tempo, pois provavelmente as coisas só acontecem quando… têm que acontecer.


vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com

NÃO SEI, MAS QUERIA FAZER ALGO DIFERENTE (3ª parte)


Não é raro conhecermos casos de alguém que, citando alguns exemplos ficcionais, foi para médico, mas o que sempre gostou mesmo foi tratar das vinhas, de alguém que foi para informática, no entanto desde cedo demonstrou habilidade para costurar e criar roupa, de alguém que foi para contabilidade, porém há muito que adora pintar e outras artes, de alguém que foi para enfermeiro e que tem queda para a escrita ou teatro, de alguém está num banco adorando atividades ao ar livre, de alguém que foi meramente para “engenheiro” e que se delicia com trabalhos manuais com madeiras, etc.

Curiosamente, numa situação de crise económico-social, muitas pessoas têm que se dedicar a segundas vias profissionais, acabando por descobrir ou redescobrir alternativas viáveis em atividades para as quais, em crianças e jovens, já lhes diziam terem jeito. São estas as tais boas oportunidades (genuínas) que as crises trazem, fazem levar estas “maluquices” mais a sério e a dizer-lhes… sim.

É que no entusiasmo deste novo balanço vocacional, as renitências por preconceito ou estereótipo em assumir estes projetos de vida acabam por se desvanecer. Mais facilmente se defende um labor que não tem tanto (pretenso) estatuto social se for o caso, pois nesta fase já não se quer ser “doutor” nem “engenheiro” só por ser.

Já ouvimos dizer com orgulho ou naturalidade, sem complexos, “sou mecânico(a)”, “sou pintor(a)”, “sou costureiro(a)”, “sou jardineiro(a)” ou outra coisa qualquer, pois é o que se gosta de fazer e mai(s) nada!

Nalguns casos, a mudança é mesmo feita de armas e bagagens. Noutros casos conjugam-se atividades que já se faziam com estas novas ou reacendidas paixões que se podem consubstanciar num segundo trabalho / emprego ou num hobbie para os tempos livres.

Não deixo de pensar que o assumir, na idade adulta, destes sonhos ainda possíveis de realizar, pondo “mãos à obra”, é um ato de comunhão com o passado pessoal (muitas vezes longínquo, datando aos primeiríssimos anos de vida) de cada um e com as escolhas boas e más que se fazem. Não desistindo de ir construindo o seu percurso, porque se calhar era assim que tinha de ser…

Há quem diga que as “velhas” profissões estão a voltar, que a História é cíclica, que o tempo das “coisas de plástico” está a passar e que as pessoas preferem confiar no que é caseirinho. Talvez sim.

Eu considero que nos atuais movimentos de reorientação vocacional, para além do benefício para a própria pessoa, também a sociedade ganha. É que aprende-se a respeitar outras profissões, outras gerações, outros tempos e realidades, outros estilos de vida, outros passados, presentes e futuros…

Nesta perspetiva, o papel de cada um de nós para contribuir para a sociedade é olhar para dentro de si e (re)descobrir coisas para as quais tinha/tem jeito e fazer algo disso, fazendo o exercício de análise sozinho ou com a ajuda de amigos, família e/ou de um técnico profissional em entrevista e testes. Porque trilhar o seu caminho para ser mais feliz vale a pena…

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

“E CHAMEI CASA AQUELE LUGAR”


Quando era pequeno, passei muitas férias de Verão na Praia da Tocha. Já na altura gostava, mas sinto que com o passar do tempo a fui estimando cada vez melhor. É talvez como aqueles cozinhados que em novos não sabemos apreciar e que à medida que amadurecemos nos deleitamos cada vez mais. Puxando a metáfora para a realidade, note-se em rodapé que ali se come o melhor picapau e mariscada dos arredores. Com toda a sua tradição, gentes e beleza natural, a Praia da Tocha já por si é especial para quem habita na Gândara ou por lá passa de vez de quando. Mas dentro dela, existe um sítio diferente e é disto que vos quero falar…

Este sítio merece destaque, entre outras coisas, se analisado numa determinada perspetiva. Não sei se lhe devo chamar taberna, tasca, café, bar, associação social, recreativa ou cultural, pois, enfim, acaba por ser tudo isso e algo mais. Falo do “Piolho”. Para mim, este contempla o que de melhor existe num meio rural (aldeia) e num meio urbano (cidade)! Passo a explicar…

Primeiro a sua vertente do campo. Ora, tem aquela familiaridade de bem receber ou, se preferirem, uma margem de inclusão que se nota em muitos detalhes como, por exemplo, na facilidade do encontrar / cumprimentar quem não se vê há algum tempo e mesmo quem (ainda) não se conhece. Saboreia-se uma conversa abrangente pincelada com sorrisos, degusta-se a música ou deixa-se fluir o silêncio de companhia. Lá é natural deixarmo-nos ir, estar, ser… O tempo passa noutro ritmo e é este mesmo o seu segredo.

Sabem quando se tem baixas expetativas ou má impressão sobre pessoas, por uma questão de estereótipo ou preconceito, e depois se vem a descobrir que afinal têm histórias, sentido de humor e sabedoria distintas? De facto, assim se encontram muitas surpresas. Singularidades que vale a pena apreciar numa verdadeira sala de estar gandaresa com uma abertura de mentalidades supostamente mais comum noutras paragens.

“Garreias” entre etílicos mais espampanantes e “bitaites” pouco galantes para a capital do concelho por algum ego territorial mais carente de atenção também fazem parte (já pouco frequente diga-se) do menu. E o que é certo é que neste contexto se acolhem tranquilamente pessoas de todas as idades, origens e ofícios.

Já vi, por exemplo, pessoas que se estavam a levar demasiado a sério em gabarolices a levarem “tacadas” humorísticas, na hora certa, para lhes “pôr os pés na terra” e a responderem com um sorriso humilde de quem reconhece que “é justo, sim senhor”.

Agora a faceta de cidade. Vejamos, tem aquela irreverência artística, o conhecimento cosmopolita (há muita música alternativa que se conhece ali pela primeira vez). Mesmo com a inevitável necessidade económica e, por vezes, comercial, quem o “governa” (a incontornável Alice) continua a saber que o espírito da casa está na diversidade, na coragem de trazer ofertas artísticas, sociais e culturais fora da caixa, de longe, esquisitas, com gosto ou à procura dele. Abrem-se portas a novos talentos e a artistas com reconhecida carreira em segmentos peculiares que se deixam convencer pelo charme da praia, pela mística do lugar e pela amizade sedutora das suas gentes.

É certo que muitos detalhes são difíceis de explicar a quem nunca lá foi, imaginem então por quem já lá vive há gerações… A verdade é que há coisas que só se vivem na praia com a malta que lá se junta e o “Piolho” é um inevitável ponto de encontro. Quando revemos pessoas e nos (re)lembramos das suas sensações naturalmente sentimos, mesmo antes de dizer, "tenho saudades de ir à praia e de uma noite no Piolho”. É que sabe bem…

Há que deixar claro que a Praia da Tocha é mais do que o “Pilho”, é certo, mas o espírito que liga as várias gerações da sua História atravessa aquela casa já desde a primeira metade do século XX e transporta a sua herança para o futuro. Já viajei por alguns países e conheço alguns lugares (poucos inevitavelmente) em que senti uma magia parecida: Valparaíso no Chile, Nova Orleãs nos Estados Unidos, Salta na Argentina, Isfahan no Irão, Dulombi na Guiné Bissau, São Petersburgo na Rússia, Hoi An no Vietname, Ko Phi Phi na Tailandia, Amesterdão na Holanda, Pádua em Itália ou Santiago de Compostela na Galiza por exemplo. Invariavelmente, trata-se sítios de dimensão não demasiado grande, mas com acesso a muita coisa, sem grandes confusões, com espaço para saborear o tempo e companhia como se fosse uma música.

Uma vez, estava na praia e começou a ver-se fumo na floresta do Palheirão. Um amigo que estava comigo de imediato se levantou e disse-me “vou já a casa buscar o trator para ajudar a levar água, pois pode ser preciso”. Grande Julião, o amor pela praia vê-se em coisas destas.

Conta-nos a música de Jorge Palma: “e chamei casa aquele lugar”… E como se costuma dizer: casa é onde mora o coração.

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com