terça-feira, 29 de dezembro de 2020

DIZER AS COISAS NA HORA


Com as catástrofes naturais e artificiais que têm acontecido nos últimos anos, em Portugal e no resto do planeta, as pessoas parecem, no geral, estar obviamente mais ansiosas. Algumas podem até denotar sinais de pânico, ânsia de controlo, raiva e/ou depressão. No caso particular das contingências por causa do vírus covid 19, é certo que a convivência limitada pelo espaço e pelo tempo, assim como a progressiva dependência tecnológica e digital, condicionam a socialização entre as pessoas.


Devido a estes atuais momentos de apreensão, temos, nesta fase, a tentação de achar que há uns tempinhos atrás tudo era tão bom a nível de convivência em sociedade e que agora é que as coisas estão más. Mas seria efetivamente tudo assim tão cor de rosa anteriormente?


Ao pensar nisto, lembro-me um filme de Alfred Hitchcock sobre um grupo de pessoas de contextos sociais diferentes que partilhava um bote salva-vidas, após o navio em que se encontravam ter naufragado, e que quando se viram sem água para sobreviver uniram-se muito. Chegam a amaldiçoar as guerrilhas sociais que os dividiam no passado, em jeito de lição para a humanidade. Só que depois são salvos e voltam para as suas vidas com os hábitos de antigamente…


De facto, já antes nem tudo era um mar de rosas no que respeita à convivência social quotidiana na nossa sociedade. Não me refiro a regras de etiqueta, tainadas ou camaradagem de festas, nada disso. Refiro-me mais ao pormenor do que é conviver socialmente com a maior genuinidade, respeito e tolerância possíveis, numa análise mais sensível, enfim até talvez utópica.


Sigam-me então. Ora, se virmos com calma, parece que, porventura mais nas últimas décadas, temos vivido numa era em que a nível mediático e popular se valoriza muito o dizer as coisas cara a cara, a tal frontalidade, ali no momento, seja propriamente num local físico, seja a nível virtualmente via redes sociais.


Neste tipo específico de interações sociais de intensidade e decibéis elevados, a forma é a grande força, já o conteúdo depende muito… Umas vezes parecem elaborados jogos táticos com argumentos sofistas, outras vezes meras trocas diretas de “bocas” recheadas de adrenalina. Frieza implacável, agressividade histriónica, tudo é muito rápido e, ali naqueles segundinhos, não há tempo para respirar, ponderar, analisar, nem sequer para ouvir ou respeitar. Ter dúvidas e ceder é associado a derrota. O nosso ego quer ganhar e para isso há que ser intransigente.


Dá a sensação que ser frontal (desta forma) é que é ser o maior ou ser “top”! É-nos servido este como único contraponto à falsidade, mesquinhez, cobardia, enfim. Se não és assim, é porque…Não serves.


Nesta lógica divisora darwinista, os vencidos são apontados como frágeis, sensíveis, enfim, fracos que não têm a fibra necessária para mandar e ter razão. Dizem que é o chamado instinto matador e que as decisões a sério são tomadas assim. Aparentemente, esta característica somente correrá nas veias dos líderes (ou chefes), os “maiores da cantareira” que arrumam com os outros. Ou se tem ou não se tem, dizem-nos algo do género: “é assim a vida, temos pena, ponto final”.


Faço aqui um parêntese para dizer que, na minha opinião, instinto e intuição não são de forma alguma sinónimos. Passo a explicar o meu ponto de vista. Muitos cientistas enaltecem o poder do uso e confiança na intuição para tomar boas decisões. Contudo, geralmente referem-se apenas a um momento de climax emocional, com que termina um inevitável processo de análise de dados, feito a nível consciente e inconsciente ou não fosse a intuição algo mais abrangente do que a razão. Sim, a intuição é muito mais profunda e completa do que um instinto de gatilho rápido…


O que é certo é que parece que socialmente nos habituamos a enaltecer, espreitar, aturar ou calar estes duelos sociais ao vivo, na televisão, computador ou telemóvel. Porém o Karma é tramado e não há caçador que não se torne presa nalgum momento. Com efeito, não se pode ganhar sempre, pois todos os aparentes Golias encontram os seus Davides, embora isso possa ser ocultado pelo orgulho da imagem social… Sim, qualquer ser humano pode ser Golias nuns contextos e David noutros. Em termos teóricos, qualquer um de nós é, em potência e dependendo das circunstâncias, capaz do melhor e do pior que a Humanidade já viu.


Agora sejamos sinceros e olhemos para dentro. Na nossa vida pessoal, já todos sentimos que numa conversa, debate ou troca de meros pontos de vista muitas vezes não conseguimos responder na hora, naquela altura certa. Parece que paralisamos, engasgamo-nos, bloqueamos, amedrontamo-nos e sentimos logo nesse instante que… já fomos.


Se mais tarde tentamos voltar atrás, a esse tema ou conversa, a esse momento afinal, somos logo, de uma forma ou de outra, avisados que isso já passou e que devia ter dito as coisas na hora, agora já não vale a pena. E isto chateia-nos ainda mais… É certo que nem tudo é assim tão importante quanto isso, por vezes as coisas passam e já nem nos lembramos mais, após algum tempo. No entanto, há outras vezes…


Que raio, há situações que não esquecemos, seja por orgulho, injustiça, pena, ciúme, raiva, parece que a nossa vida podia ter sido diferente se tivéssemos reagido de outra maneira. Seja logo depois, de vez em quando ou ao longo do tempo, ficamos ali a remoer o sucedido com os pensamentos, planos, gestos e posturas que podíamos ter tido para fazer boa figura. Perdemo-nos a construir realidades alternativas, mas acabamos por nunca dar o final feliz perfeito, pois… já não dá.


Isto acontece quando encontramos algum tipo de pessoas que, por uma questão de primeira impressão, personalidade ou nem sabemos bem porquê, mas não conseguimos encaixar, relaxar na sua presença, ser racionais e evitar que só as emoções em bruto tomem conta de nós.


Com outras pessoas, já não funcionamos bem assim, as coisas saem certas na hora certa, o raciocínio flui, sentimo-nos à vontade por não nos sentirmos atacados e/ou por sabermos que não estão ali para nos fazer mal nenhum.


Soluções ou receitas? Poderão, de facto, não existir remédios milagrosos. Porém, com ingredientes como maturidade, reflexão, calma, meditação, aceitação e sentido de humor ajudam na digestão dos episódios bons e maus do percurso deambulante que é a nossa vida. Indo por aí, conseguimos frequentemente ter momentos de tranquilidade, alegria e generosidade, pois faz tudo parte e há sempre surpresas… No fim, assim, talvez vençamos todos.


 


vascoespinhalotero@hotmail.com


(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional


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