terça-feira, 29 de dezembro de 2020

TUDO CINCOS



No nosso dia-a-dia, naturalmente emitimos juízos sobre o mundo à nossa volta. Objetos, tarefas, ações, capacidades, produtos ou pessoas são obviamente avaliados por nós. Por não conseguirmos encaixar conscientemente toda a imensa informação que absorvemos, acabamos por criar categorias de informação-tipo: os chamados estereótipos.

Quando nos deparamos com algo novo no ambiente que nos rodeia e que temos de analisar, esta organização de informação por “gavetas” disponível no nosso cérebro ajuda-nos, na medida em que nos permite ir “digerindo” mais rapidamente a realidade do que se não o tivéssemos estas categorias prévias.

Este processo de análise e decisão (em parte efetuado à priori) não é por si disfuncional para o ser humano. Poderá somente revelar-se perigoso para nós e para os outros se pegarmos nos estereótipos e os generalizarmos, de forma acrítica, não tendo em conta a especificidade de indivíduos e contextos.

Inevitavelmente cada pessoa é única e cada situação é diferente. A tolerância é, em grande parte, ter esta noção.

No entanto, por vezes caímos na tentação facilitista de enveredar por induções (pegar um mero exemplo e generalizar) e/ou deduções (usar um estereótipo para julgar um caso particular). É preciso ter calma para não entrar em “piloto automático” de estereótipos (que quando escudado por um ego de certezas absolutas se torna preconceito) e se ser displicente, insensível, injusto…

A este propósito, lembro-me de um caso de um aluno que na escola merecia “cinco” (nota máxima) a muitas disciplinas, mas que era muito fraquinho a uma ou duas. No entanto, na avaliação final do ano letivo feita pelo grupo de professores das várias disciplinas, na pauta surgiu também com nota máxima a essa cadeira, de modo a perfazer o “tudo cincos”.

O rapaz ficou primeiramente orgulhoso ao ver os resultados no quadro. Porém, refletindo sobre a situação, à medida que o tempo foi passando, começou a sentir-se desconfortável com a ideia de ter sido favorecido sem o merecer. De facto, tanto ele como os seus colegas de turma, sabiam que a realidade era, na verdade, diferente do que tinha sido descrito no papel.

Olhando com serenidade para o caso, pensamos: qual era o mal em ter tido nota negativa naquela e/ou noutra disciplina se, de facto, era essa a medida do seu desempenho? Compor as coisas para ficar com “cinco a tudo” terá sido uma boa medida (mesmo que com boas intenções)?

Cada caso é efetivamente um caso, de facto, contudo este exemplo apenas serve de ponto de partida para abordarmos uma questão mais profunda ao nível de sociedade. Tem a ver com um chavão que vemos aplicar no dia-a-dia de forma muitas vezes automática.

Ora, por que razão é que quem é bom ou mau nalgumas coisas também assim terá de ser para as outras ou até mesmo para tudo o resto?

Não será esta visão mais uma extensão de um divisionismo entre os fortes e os fracos numa expressão social darwinista, que tantos danos tem causado ao longo da História?

Não será por estes meios que, por exemplo, se criaram no passado elites sociais que seriam os “tudo cincos” que depois tinham de ir para Medicina, mesmo que a sua vocação não fosse essa?

Sejamos claros, não é possível ser bom a tudo tanto quanto é impossível ser mau a tudo. Há sempre talento para várias coisas (sim, plural e não um mero singular), embora possa não ser fácil discernir pelo próprio e/ou identificar pelos outros.

Concluindo, saber os nossos pontos fortes, pontos fracos e tentar melhorar no que for possível pode muito bem resumir a essência do crescimento pedagógico e isso é o mais importante!

 

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

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