terça-feira, 29 de dezembro de 2020

A CULTURA DO MONO-TALENTO


         Costuma ouvir-se que todos temos jeito para alguma coisa. Julgo que há que o dizer no plural, pois todos temos inevitavelmente muitos talentos, não só para uma coisinha. Quando nos concentramos só num talento, corremos o risco de nos acontecer o que acontece na agricultura quando se cultiva apenas um tipo de planta, esgotando no solo os minerais de que esta precisa.

Se procurarmos explorar os nossos vários talentos, também poderemos possivelmente funcionar melhor. Tal como sucede na agricultura quando se varia a exploração dos minerais, de forma a que estes não se esgotem, podendo, por vezes, uma pausa ou poisio também ser uma solução adequada.

No entanto, costuma dizer-se que “quem muitos burros toca, algum deixa para trás”. Porém, não conterá este provérbio, em parte, um limite ao desenvolvimento de cada indivíduo e da sociedade em que está inserido?

Não comportará esta crença generalizada um constrangimento ao potencial que advém do cruzamento de processos e produtos entre campos diversos? Não se estará a negligenciar a efetiva possibilidade de partilha de conteúdos entre diferentes áreas?

Quem pode com certeza dizer que é impossível um método, aplicado numa área, poder ser adaptado a uma área distinta e constituir uma solução para problemas aparentemente impossíveis de ultrapassar?

Fará sentido abdicar à partida do lucro mútuo para o progresso de campos aparentemente distintos, com soluções que sobram num lado e faltam noutro? Não se estará a pôr de lado os benefícios decorrentes da transversalidade do conhecimento e das culturas (sejam científicos, sejam da vida quotidiana)?

Como exemplo de contraponto, recordo-me de um famoso jogador de futebol que disse que fazer puzzles e praticar xadrez (tinha sido inclusivamente campeão no seu país quando mais jovem) o ajudavam a jogar melhor à bola.

Há que então referir que a suposta mediocridade associada, na vida quotidiana, à variedade, à polivalência mediana e ao experimentalismo é, no geral, talvez um pouco subvalorizada ou incompreendida.

Senão vejamos que, por exemplo, Albert Einstein tinha negativa a Matemática (ou melhor dizendo: naquela visão da Matemática…) na escola e pela mera lógica do “ser top” nunca teria sido um génio da física e apresentado visões que a normalidade não atinge.

Poderemos pensar que este caso se trata de uma exceção e não de uma regra, mas teremos também de ter em conta que a criatividade e a inovação provêm do erro e do mal feito que, porventura, pode levar a evoluções ou revoluções interessantes, enfim, à ciência.

 

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com

TUDO CINCOS



No nosso dia-a-dia, naturalmente emitimos juízos sobre o mundo à nossa volta. Objetos, tarefas, ações, capacidades, produtos ou pessoas são obviamente avaliados por nós. Por não conseguirmos encaixar conscientemente toda a imensa informação que absorvemos, acabamos por criar categorias de informação-tipo: os chamados estereótipos.

Quando nos deparamos com algo novo no ambiente que nos rodeia e que temos de analisar, esta organização de informação por “gavetas” disponível no nosso cérebro ajuda-nos, na medida em que nos permite ir “digerindo” mais rapidamente a realidade do que se não o tivéssemos estas categorias prévias.

Este processo de análise e decisão (em parte efetuado à priori) não é por si disfuncional para o ser humano. Poderá somente revelar-se perigoso para nós e para os outros se pegarmos nos estereótipos e os generalizarmos, de forma acrítica, não tendo em conta a especificidade de indivíduos e contextos.

Inevitavelmente cada pessoa é única e cada situação é diferente. A tolerância é, em grande parte, ter esta noção.

No entanto, por vezes caímos na tentação facilitista de enveredar por induções (pegar um mero exemplo e generalizar) e/ou deduções (usar um estereótipo para julgar um caso particular). É preciso ter calma para não entrar em “piloto automático” de estereótipos (que quando escudado por um ego de certezas absolutas se torna preconceito) e se ser displicente, insensível, injusto…

A este propósito, lembro-me de um caso de um aluno que na escola merecia “cinco” (nota máxima) a muitas disciplinas, mas que era muito fraquinho a uma ou duas. No entanto, na avaliação final do ano letivo feita pelo grupo de professores das várias disciplinas, na pauta surgiu também com nota máxima a essa cadeira, de modo a perfazer o “tudo cincos”.

O rapaz ficou primeiramente orgulhoso ao ver os resultados no quadro. Porém, refletindo sobre a situação, à medida que o tempo foi passando, começou a sentir-se desconfortável com a ideia de ter sido favorecido sem o merecer. De facto, tanto ele como os seus colegas de turma, sabiam que a realidade era, na verdade, diferente do que tinha sido descrito no papel.

Olhando com serenidade para o caso, pensamos: qual era o mal em ter tido nota negativa naquela e/ou noutra disciplina se, de facto, era essa a medida do seu desempenho? Compor as coisas para ficar com “cinco a tudo” terá sido uma boa medida (mesmo que com boas intenções)?

Cada caso é efetivamente um caso, de facto, contudo este exemplo apenas serve de ponto de partida para abordarmos uma questão mais profunda ao nível de sociedade. Tem a ver com um chavão que vemos aplicar no dia-a-dia de forma muitas vezes automática.

Ora, por que razão é que quem é bom ou mau nalgumas coisas também assim terá de ser para as outras ou até mesmo para tudo o resto?

Não será esta visão mais uma extensão de um divisionismo entre os fortes e os fracos numa expressão social darwinista, que tantos danos tem causado ao longo da História?

Não será por estes meios que, por exemplo, se criaram no passado elites sociais que seriam os “tudo cincos” que depois tinham de ir para Medicina, mesmo que a sua vocação não fosse essa?

Sejamos claros, não é possível ser bom a tudo tanto quanto é impossível ser mau a tudo. Há sempre talento para várias coisas (sim, plural e não um mero singular), embora possa não ser fácil discernir pelo próprio e/ou identificar pelos outros.

Concluindo, saber os nossos pontos fortes, pontos fracos e tentar melhorar no que for possível pode muito bem resumir a essência do crescimento pedagógico e isso é o mais importante!

 

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

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TALENTUM


Talento pode ser descrito como aptidão natural ou, em parte, adquirida, engenho, disposição, habilidade, no fundo ter jeito para qualquer coisa específica. Este pode ser mais ou menos (pessoalmente e/ou socialmente) valorizado, consoante o tipo de produtos e/ou valores que produza e que façam sentido para a pessoa e/ou para a sociedade em que está inserido.

Na valorização funcional de um talento, muitas vezes, as avaliações pessoais e as avaliações sociais são semelhantes. Mas e quando não são? E quando uma pessoa sabe ou descobre que tem bastante talento para uma área específica, que a todos os que a rodeiam parece uma fantástica carreira a seguir e, mesmo assim, esta prefere não a usar?

Lembro o caso da estrela do basquetebol Michael Jordan que abandonou a prática desta modalidade, dizendo já não sentir prazer e motivação no jogo e enveredou por uma carreira muito menos brilhante no basebol, algo que gerou a estupefação dos media, no geral.

Porém, se o desenvolver e rentabilizar de um talento implicar fatores como, por exemplo, viagens constantes, invasão de privacidade, horários prolongados, trabalho solitário ou outro constrangimento qualquer e se a pessoa não obtiver prazer na atividade (motivação intrínseca) e/ou achar que ter que lidar com esses fatores não é um prazer e/ou que não vai compensar nos benefícios posteriores (ex: dinheiro, férias, acessos privilegiados, entre outros) que irá obter (motivação extrínseca) talvez a decisão de abdicar possa agora parecer, de facto, mais compreensível.

Torna-se claro que há que ter em conta os valores pessoais que cada um tem também para a sua vida. Ora, adotando esta perspetiva, qual é afinal o mal de não se fazer aquilo em que se é “craque”?

A dificuldade social / humana que temos em comunidade na abordagem, de forma aberta e natural, aos talentos terá eventualmente a ver com a sua quase imediata associação a um produto que pensamos ser único: o dinheiro.

Na verdade, só dissociando talento e dinheiro não teremos o reflexo de catalogar como “burrice” o abdicar de uma carreira de milhões. No entanto, curiosamente, a palavra talento vem do latim talentum que era o nome dado a uma moeda da Antiga Grécia e outros povos orientais.

Ou seja, esta associação errónea já vem de longe…

 

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

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OS TALENTOS DE CADA UM


Cada vez mais acredito que a nossa personalidade está definida à nascença, através do nosso mapa genético, e que, ao longo da vida, vamos, de acordo com o ambiente que vivenciamos, encontrando várias maneiras de a exprimir. Tendo em conta o seu impacto em nós e em quem nos rodeia, vamos fazendo (consciente ou inconscientemente) a nossa seleção de padrões para a expressar em situações-tipo.

Inevitavelmente, vamos catalogando contextos, para uma maior eficácia e eficiência do nosso processamento de informação, e antecipando cenários e consequências. Daí dizer-se que os mais velhos têm mais experiência.

Porventura, o nosso desafio de maturidade, enquanto indivíduos, estará somente em conhecer cada vez melhor a nossa personalidade, aceitá-la, aprender a lidar e até brincar com ela.

Nesta lógica e adotando uma visão de orientação vocacional, é claro que é interessante saber o mais cedo possível que coisas um ser humano gosta de fazer e as áreas para as quais tem jeito, de facto.

No entanto, numa perspetiva mais holística, mesmo com os benefícios do conhecimento agora adquirido, não interessa só o que se descobriu ou tornou claro naquele momento de avaliação vocacional. Há também muito por descobrir ao longo de toda a sua vida. Depois daquele momento, terá o seu passado e presente com certeza, mas também muito futuro ainda por descobrir, no que respeita a interesses, capacidades, contextos, etc. E a vida comporta muitas surpresas, de facto.

Ter jeito para isto ou para aquilo é popularmente associado a ter talento para qualquer coisa. Uma aptidão natural ou, em parte, adquirida, disposição ou habilidade pode ser mais ou menos valorizada socialmente, consoante o tipo de produtos e/ou valores que produza. Por exemplo, talento para cantar e talento para fazer bricolage têm importâncias sociais distintas.

Os talentos para algo em específico são desenvolvidos se o contacto com o contexto em que eles podem ser verificados estiver presente. Se não surgir esse contexto, a pessoa pode nem sequer saber que tem esse potencial.

Por exemplo, se o Cristiano Ronaldo, com o seu talento para o futebol, tivesse nascido na Índia, onde o críquete é o desporto mais incentivado e popular, provavelmente não teria sido futebolista, pois essa capacidade não teria sido descoberta e/ou estimulada. O mesmo pode acontecer com qualquer pessoa.

No que ao potencial humano diz respeito, a passagem da ignorância ao conhecimento somente se efetua pela experimentação. É assim na ciência, é assim na vida quotidiana. Trata-se de um caminho de paciência, persistência e fé.

 Uma procura ativa em que é preciso explorar campos desconhecidos, tomar opções inesperadas, arriscar a dar muitos passos no escuro, aparentemente sem sentido algum, empurrarmo-nos para fora de aparentes zonas de conforto até chegarmos, de repente, a algo diferente do normal e surgir... um milagre. É isso mesmo que sentimos nesse instante. Quando se chega a esse ponto de descoberta e se olha para trás vê-se que valeu a pena, que tinha que ser assim para ser… especial.

Atentemos que não se aplica só a alguns ou que só acontece aos outros. Não há aqui toque de Midas ou acesso limitado para iluminados, pois inevitavelmente cada um de nós possui vários talentos: uns já foram descobertos, outros estão ainda por descobrir.

Assim sendo, quem achar que não tem talento para nada que se desengane, pois pode somente não ter encontrado até então contextos que permitam que eles se exprimam. Falamos de todo o seu percurso de vida, não só quando jovens…

Algumas pessoas poderão dizer que só têm descoberto em si talento para coisas que não valem a pena ou não servem para nada. Aqui já estaremos no campo dos valores sociais / pessoais ou aplicações funcionais, enquanto possível área de negócio por exemplo. Deixo uma pista para não desmoralizar: há sempre maneira… E quanto a “bitaites” e opiniões: “a de todos ouvirás, só a tua seguirás”.

Acima de tudo, esta malha de potencial por conhecer dentro de cada ser humano revela-se tão fascinante quanto enigmática ao imaginarmos no que poderemos estar, por enquanto, a ignorar, não aproveitar e/ou perder.

Há que aproveitar a vida para ir descobrindo…

 

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional

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DIZER AS COISAS NA HORA


Com as catástrofes naturais e artificiais que têm acontecido nos últimos anos, em Portugal e no resto do planeta, as pessoas parecem, no geral, estar obviamente mais ansiosas. Algumas podem até denotar sinais de pânico, ânsia de controlo, raiva e/ou depressão. No caso particular das contingências por causa do vírus covid 19, é certo que a convivência limitada pelo espaço e pelo tempo, assim como a progressiva dependência tecnológica e digital, condicionam a socialização entre as pessoas.


Devido a estes atuais momentos de apreensão, temos, nesta fase, a tentação de achar que há uns tempinhos atrás tudo era tão bom a nível de convivência em sociedade e que agora é que as coisas estão más. Mas seria efetivamente tudo assim tão cor de rosa anteriormente?


Ao pensar nisto, lembro-me um filme de Alfred Hitchcock sobre um grupo de pessoas de contextos sociais diferentes que partilhava um bote salva-vidas, após o navio em que se encontravam ter naufragado, e que quando se viram sem água para sobreviver uniram-se muito. Chegam a amaldiçoar as guerrilhas sociais que os dividiam no passado, em jeito de lição para a humanidade. Só que depois são salvos e voltam para as suas vidas com os hábitos de antigamente…


De facto, já antes nem tudo era um mar de rosas no que respeita à convivência social quotidiana na nossa sociedade. Não me refiro a regras de etiqueta, tainadas ou camaradagem de festas, nada disso. Refiro-me mais ao pormenor do que é conviver socialmente com a maior genuinidade, respeito e tolerância possíveis, numa análise mais sensível, enfim até talvez utópica.


Sigam-me então. Ora, se virmos com calma, parece que, porventura mais nas últimas décadas, temos vivido numa era em que a nível mediático e popular se valoriza muito o dizer as coisas cara a cara, a tal frontalidade, ali no momento, seja propriamente num local físico, seja a nível virtualmente via redes sociais.


Neste tipo específico de interações sociais de intensidade e decibéis elevados, a forma é a grande força, já o conteúdo depende muito… Umas vezes parecem elaborados jogos táticos com argumentos sofistas, outras vezes meras trocas diretas de “bocas” recheadas de adrenalina. Frieza implacável, agressividade histriónica, tudo é muito rápido e, ali naqueles segundinhos, não há tempo para respirar, ponderar, analisar, nem sequer para ouvir ou respeitar. Ter dúvidas e ceder é associado a derrota. O nosso ego quer ganhar e para isso há que ser intransigente.


Dá a sensação que ser frontal (desta forma) é que é ser o maior ou ser “top”! É-nos servido este como único contraponto à falsidade, mesquinhez, cobardia, enfim. Se não és assim, é porque…Não serves.


Nesta lógica divisora darwinista, os vencidos são apontados como frágeis, sensíveis, enfim, fracos que não têm a fibra necessária para mandar e ter razão. Dizem que é o chamado instinto matador e que as decisões a sério são tomadas assim. Aparentemente, esta característica somente correrá nas veias dos líderes (ou chefes), os “maiores da cantareira” que arrumam com os outros. Ou se tem ou não se tem, dizem-nos algo do género: “é assim a vida, temos pena, ponto final”.


Faço aqui um parêntese para dizer que, na minha opinião, instinto e intuição não são de forma alguma sinónimos. Passo a explicar o meu ponto de vista. Muitos cientistas enaltecem o poder do uso e confiança na intuição para tomar boas decisões. Contudo, geralmente referem-se apenas a um momento de climax emocional, com que termina um inevitável processo de análise de dados, feito a nível consciente e inconsciente ou não fosse a intuição algo mais abrangente do que a razão. Sim, a intuição é muito mais profunda e completa do que um instinto de gatilho rápido…


O que é certo é que parece que socialmente nos habituamos a enaltecer, espreitar, aturar ou calar estes duelos sociais ao vivo, na televisão, computador ou telemóvel. Porém o Karma é tramado e não há caçador que não se torne presa nalgum momento. Com efeito, não se pode ganhar sempre, pois todos os aparentes Golias encontram os seus Davides, embora isso possa ser ocultado pelo orgulho da imagem social… Sim, qualquer ser humano pode ser Golias nuns contextos e David noutros. Em termos teóricos, qualquer um de nós é, em potência e dependendo das circunstâncias, capaz do melhor e do pior que a Humanidade já viu.


Agora sejamos sinceros e olhemos para dentro. Na nossa vida pessoal, já todos sentimos que numa conversa, debate ou troca de meros pontos de vista muitas vezes não conseguimos responder na hora, naquela altura certa. Parece que paralisamos, engasgamo-nos, bloqueamos, amedrontamo-nos e sentimos logo nesse instante que… já fomos.


Se mais tarde tentamos voltar atrás, a esse tema ou conversa, a esse momento afinal, somos logo, de uma forma ou de outra, avisados que isso já passou e que devia ter dito as coisas na hora, agora já não vale a pena. E isto chateia-nos ainda mais… É certo que nem tudo é assim tão importante quanto isso, por vezes as coisas passam e já nem nos lembramos mais, após algum tempo. No entanto, há outras vezes…


Que raio, há situações que não esquecemos, seja por orgulho, injustiça, pena, ciúme, raiva, parece que a nossa vida podia ter sido diferente se tivéssemos reagido de outra maneira. Seja logo depois, de vez em quando ou ao longo do tempo, ficamos ali a remoer o sucedido com os pensamentos, planos, gestos e posturas que podíamos ter tido para fazer boa figura. Perdemo-nos a construir realidades alternativas, mas acabamos por nunca dar o final feliz perfeito, pois… já não dá.


Isto acontece quando encontramos algum tipo de pessoas que, por uma questão de primeira impressão, personalidade ou nem sabemos bem porquê, mas não conseguimos encaixar, relaxar na sua presença, ser racionais e evitar que só as emoções em bruto tomem conta de nós.


Com outras pessoas, já não funcionamos bem assim, as coisas saem certas na hora certa, o raciocínio flui, sentimo-nos à vontade por não nos sentirmos atacados e/ou por sabermos que não estão ali para nos fazer mal nenhum.


Soluções ou receitas? Poderão, de facto, não existir remédios milagrosos. Porém, com ingredientes como maturidade, reflexão, calma, meditação, aceitação e sentido de humor ajudam na digestão dos episódios bons e maus do percurso deambulante que é a nossa vida. Indo por aí, conseguimos frequentemente ter momentos de tranquilidade, alegria e generosidade, pois faz tudo parte e há sempre surpresas… No fim, assim, talvez vençamos todos.


 


vascoespinhalotero@hotmail.com


(*) Psicólogo das Organizações / Gestão de Recursos Humanos / Desporto / Orientação Vocacional


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É TOP?



Hoje em dia, é muito usada a expressão: “é top”. Antigamente, ouvia-se o mais “fixe”, “porreiro” ou o “altamente” e eu confesso que o preferia. Tudo tem o seu contexto, é verdade, mas também tudo tem implicações e algumas mensagens subliminares para a sociedade fluem deste modo. Pode parecer uma picuinhice, mas passo a explicar a abrangência que aqui julgo discernir.


Na minha opinião, “é top” implica uma ação de comparação e hierarquização do objetivo ou fenómeno. Está a distinguir-se os bons e os maus, elegendo uma elite. Para haver os “top” tem de haver os “down”, pois para haver o que está no pódio também terão de haver os que não lá chegam.


Julgo que este sintoma psico-cultural carrega um pouco como consequência um limite à variedade, ao experimentalismo, à inovação, pois quem arriscar fazer diferente nem sempre “é top” e a maioria das pessoas obviamente gosta da segurança e da aceitação, daí muitas vezes se usar o que está na moda. A mentalidade do “é top” parece, por vezes, algo inflamável do género “se não me dão o que eu quero, tomo uma atitude radical”.


Vi há tempos que o músico Salvador Sobral não tira, nem permite que tirem com ele fotografias tipo selfies, sendo imediatamente criticado, nessas cusquices de futilidades em que facilmente se tornam as redes sociais, acusando-se o artista de ser arrogante e mal educado. Então agora manter o seu direito de reserva de imagem pessoal já é presunçoso e “má onda”? Definitivamente, não será “Top” com certeza…


Como uma possível contraposição (entre muitas outras expressões é claro), o “é fixe” soa-me muito mais a apreciar, degustar, saborear, prezar, aproveitar, enaltecer sem julgar ou denegrir, mais na linha do “está-se bem”, “na boa” ou “tranquilo” que também se ouvem amiúde, nos dias de hoje.


Ora, isto para dizer que, para valorizar algo, não precisamos de, logo a seguir, desvalorizar outros tantos. Às vezes, parece que temos vergonha de estar ali um tempinho a elogiar algo. Ficamos atrapalhados e passamos logo a correr para uma zona de conforto a dizer mal de outras coisas. Sejamos sinceros: não estaremos dessa forma a habituarmo-nos a ter mais prazer a dizer mal do que a dizer bem?


Não quero com isto, de forma alguma, desincentivar o espírito crítico, nada disso, mas acho importante que o elogio num texto não seja apenas uma nota de rodapé e o que é certo é que, tendo em conta a chamada imprensa sensacionalista, a má notícia rende mais audiências do que a boa notícia. E também tenho de reconhecer que, em parte, ao escrever este artigo também estou a dizer mal…


Porque não passar algum tempo (às vezes são só mesmos uns segundinhos no tempo certo) também a elogiar e a usufruir das coisas boas, sem, contudo, deixar de atentar às coisas más e que devem ser melhoradas? “É fixe”, sabe bem e faz bem! Se “é top”, isso já não sei…

 


vascoespinhalotero@hotmail.com


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