segunda-feira, 14 de junho de 2010

O COMPLEXO DA IMAGEM

Julgo que nós, portugueses, sofremos de um complexo da imagem, em especial da nossa imagem internacional. Por causa dela, o país entra em depressão ou em euforia, mesmo que tenhamos noção que tudo é um fenómeno momentâneo ou até uma ilusão e que, mesmo com boas ou más impressões “lá fora”, no nosso cantinho lusitano, os velhos problemas estruturais continuam aqui, concretamente no dia-a-dia, a puxar-nos, cada vez mais, para a miséria material e intelectual escondida, mas real.

Sempre que há algo que corre mal, logo vem alguém alertar para os prejuízos gravíssimos para a nossa imagem “lá fora”. E aí, mesmo em tempo de crise, logo aparecem financiamentos milagrosos, empréstimos salvadores e engenharias financeiras heróicas que acabam até por cavar a nossa sepultura económica ,a médio e longo prazo…

Já no tempo dos Descobrimentos, no seu declínio, assim foi. Nestes momentos épicos, trabalha-se em cima do joelho, conseguindo até explorar o Zé Povinho com redobrada legitimidade patriótica. Parece que se está a salvar Portugal e a mostrar ao mundo, que se julga estar sempre a olhar para nós com espanto e admiração, o quão grandes os lusitanos podem ser! Já Camões, mais ou menos assim, o escrevia em “Os Lusíadas”…

Nestes momentos repletos de humor trágico, define-se como objectivo estratégico “tapar o sol com a peneira” para estrangeiro (não) ver e ficamos todos contentes com isto a achar que é uma grande coisa!

Muitas vezes, em vez de nos preocuparmos de forma genuína com a justiça social, qualidade de vida, desenvolvimento sustentado, entre outros factores que são decisivos para vivermos melhor ou pior no nosso país, só nos mobilizamos ou pomos mãos à obra para “pôr o lixo para debaixo do tapete” por vergonha de que os estrangeiros se apercebam das nossas “burrices” estruturais.
Fica a sensação de que em Portugal só se consegue fazer algo em grande se se criar uma visão à moda do Rei Dom Sebastião, com pitadas de Fernando Pessoa, de que podemos ser grandes “lá fora” ou se se der o alarme de que vamos ficar muito mal vistos “lá fora”.

Basta lembrarmo-nos dos argumentos que se utilizaram para investir forte e feio em projectos sem sustentabilidade posterior como o Euro 2004, a Expo 98, Porto Capital Europeia da Cultura. Dizia-se que estes eventos só por si iam ser fantásticos para a nossa imagem durante e após o tempo da sua realização e que, para além disso, iriam servir para reestruturar as bases de desenvolvimento das áreas de desporto e cultura no nosso país. Que ficassemos descansados, pois o retorno iria ser muito bom...

Ora, o balanço final destes grandes empreendimentos é invariavelmente uma derrapagem gigantesca de contas, umas visitas mais de estrangeiros apenas e só nesse período e, fechada a cortina desses espectáculos, tudo volta à mesmo miséria cultural e desportiva.

Falando metaforicamente, as teias de aranha, que teimam em inundar os edifícios “elefantes brancos”, fazem-nos recordar, todos os dias, em qualquer conversa informal, a falta de estudos custo-benefício sem a “mãozinha” política populista… Também o frio betão das obras faraónicas parece chamar-nos repetidamente a atenção para o facto de os velhos hábitos de desorganização e de falta de visão para estas áreas se manterem intocados...

Para finalizar, uma simples pergunta: por que é que um português talentoso de uma qualquer área precisa de ir para o estrangeiro para ter uma oportunidade a sério e ser (só depois) reconhecido no nosso país?

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional
Leia todos os artigos na Internet em: www.dosonhoaoprojecto.blogspot.com

2 comentários:

Anónimo disse...

Grande texto Dr. Vasco! Em relação à tua pergunta final, eu não podia estar mais de acordo com ela! Porque é que um português talentoso tem de ir para o estrangeiro para ser reconhecido posteriormente no nosso país? O nosso país simplesmente esquece o facto que futuramente esse mesmo português talvez não queira voltar para Portugal, porque finalmente viu os seus esforços serem reconhecidos por alguém. E depois ainda se queixam do "Brain Drain"!

Vasco Espinhal Otero disse...

Olá "anónimo"! Obrigado pelo apoio! Julgo que por mais "choques tencológicos" que apareçam se se continua a reforçar pelo exemplo este tipo de cultura obsecada pelo "lá fora", as coisas não funcionam... E, apesar doestado da nossa educação e promoção de cultura de base, os portugueses são muito criativos e se motivados com desafios entregam-se com garra a projectos de inovação, que aliás pode ser feita por pessoas de qualquer formação e não só doutores ou patrões!... Obrigado mais uma vez e abraço
Vasco Espinhal Otero, isso do Dr para mim é insulto!