terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Big Brother: uma interpretação psicológica


No último artigo que escrevi referi-me à definição e às características distintivas de um grupo ou seja a “nascença” de um grupo. Foram indicados e discutidos alguns exemplos de possíveis grupos. Chegámos à conclusão de que, por exemplo, uma equipa desportiva poderá constituir um grupo. Mas será que um grupo se mantém constante ? Será que os elementos que o compõem se “dão sempre bem”, será que se “lembram” sempre dos objectivos a atingir, será que nunca têm vontade de “abandonar o barco” ? Neste âmbito será pertinente abordarmos a temática do desenvolvimento grupal.

O psicólogo Roger Muchielli defende que o desenvolvimento de um grupo se trata sempre de um processo linear, constituído por quatro estádios diferentes e sucessivos: Estádio Nominal, Estádio Fusional, Estádio Conflitual e Estádio Unitário. Tendo em vista uma clara explicação e descrição de todas estas fases, que melhor “ajudante” e ponto de referência poderia eu ter, senão o programa da televisão portuguesa que “ninguém vê”, mas que acerca do qual toda a gente comenta e “espreita” (claro, só de vez em quando...): o Big Brother!

O Estádio Nominal caracteriza-se por um reduzido sentimento de pertença, por um medo de implicação (Verónica da 2ª edição disse “...eu não me vou envolver com ninguém dentro da casa...”; a Sofia da 2ª edição ficava constantemente no quarto refugiada; o Ricardo da 1ª edição andava sempre com óculos escuros; o Zé Maria da 1ª edição tratava das galinhas). Verifica-se um refúgio dos membros do grupo nas suas “máscaras sociais” e um respeito pelos estatutos que os elementos apresentam fora do grupo (o Bruno da 2ª edição andava sempre com o seu lenço típico dos motards; o Marco da 1ª edição com o material de kickboxing; todas características de grupos a que pertenciam antes de entrarem na casa e que lhes confere uma protecção, um estatuto, uma “máscara social”). Existe uma percepção vaga e difusa do alvo e pouca atenção sobre ele (as tarefas que tinham que realizar para ganhar dinheiro eram encaradas quase como um passatempo novo; até se esqueciam que aquilo era um concurso de tão pressionados e “abandonados” que estavam).

Segue-se o Estádio Fusional que se caracteriza pela prevalência do sentimento de estar junto, desenvolvimento de elevada coesão, de uma solidariedade nova (surgem as “máscaras da boa vontade”, da implicação afectiva; “Gosto tanto do pessoal”, “Eles são todos tão espectaculares”). Verifica-se o abandono dos estatutos máscara e o desejo de igualdade de direitos; inibição das respostas individuais e originais; há uma pressão para a conformidade (quem não alinha torna-se um bode expiatório como o Zé Maria da 1ª edição) e para as decisões unânimes (“na boa, não há problema, fazemos todos juntos”). Existe uma euforia colectiva (no programa até tomaram banho nus!), sendo que o alvo é secundarizado (os concorrentes desleixavam-se um pouco na realização das tarefas para ganhar dinheiro; ninguém queria ganhar o concurso!).

De seguida, surge o Estádio Conflitual que comporta uma prevalência de relações conflituosas, tensões perante a necessidade de funcionar para realizar tarefas e face a diferenças reais (célebre pontapé do Marco à Sónia, na 1ª edição, quando ensaiavam a peça de teatro). Verificam-se decepções, retraimentos e conflitos (discussões entre a Verónica e a Liliana na 2ª edição, entre o Pedro e o resto do grupo). Poderá haver partição em dois ou mais sub-grupos (divisão entre o pessoal do quarto rosa e o pessoal do quarto verde, na 3ª edição), luta aberta pela liderança (entre o Pedro e o Lourenço na 3ª edição, entre o Marco e o Zé Maria na 1ª edição) e contestação dos papéis desempenhados (discussões para ver quem fazia o jantar, pois eram sempre os mesmos). Refugiam-se em regras formais, rígidas que acentuam mais as “guerras” e tensões (quando estavam alguns concorrentes lesionados precisamente na altura em que tinham que efectuar x quilómetros numa prova denominada de Volta a Portugal em bicicleta). Começa aqui a haver uma tensão relativamente ao alvo (intolerância face ao não atingir dos patamares mínimos para a realização das tarefas para ganhar dinheiro; começa-se a discutir quem vai ganhar o concurso, as nomeações ou melhor as “conspirações”).

Por último, temos o Estádio Unitário que se caracteriza por uma prevalência de uma eficaz gestão das divergências, uma aceitação do grupo como composição de personalidades diferentes, uma participação activa e uma utilização dos vários contributos. As decisões são tomadas com base, não em unanimidades, mas em consensos, sendo que as posições de cada um são claramente formuladas e as regras são flexíveis. Este estádio é geralmente atingido no final do programa Big Brother, ou será que nunca é atingido?...

Sem comentários: