terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Somos o que Fazemos ou Fazemos o que Somos?...


A actual estrutura do mundo do trabalho é extremamente exigente e competitiva. Prazos e objectivos rigorosos são estipulados, o trabalho em equipa torna-se comum e necessário, novas estratégias são delineadas tendo em vista uma produtividade e um rendimento cada vez mais elevados. Surgem frequentemente situações novas e imprevisíveis devendo existir flexibilidade individual e organizacional, nas diferentes instituições, para com elas lidar. Perante este cenário exigem-se pessoas que saibam reagir a mudanças, com aptidões para transferir competências e tomar decisões, com capacidade para gerir as suas próprias carreiras. Em suma, pessoas que gostem do que fazem e que, acima de tudo, o façam bem! Mas, serão rendimento e satisfação profissional e de vida compatíveis ? Na actual sociedade?

As profissões são avaliadas pelo senso comum, consoante o que se entende ser o seu Esforço, Utilidade e Responsabilidade. Por exemplo, um operário civil despenderá grande esforço no seu trabalho, já um engenheiro terá uma maior responsabilidade (se uma casa que projectou ruir, ele será o réu principal), embora ambos sejam igualmente úteis (a casa só será feita com a participação de ambos)! Poderemos questionar qual o trabalho mais importante, obtendo respostas e opiniões discutíveis a que ideologias políticas e estilos de vida não serão alheios...

Porém, talvez estejamos a colocar a questão errada! A questão poderá sim ser quem trabalha melhor e em quê! Questão de avaliação polémica, ambígua, talvez mesmo impossível! Mas o que é isso de Trabalhar Melhor e Como Poderemos Trabalhar Melhor? Será que só algumas pessoas têm potencialidades para trabalhar bem, será que há um código genético dos bons e dos maus trabalhadores e/ou da preguiça? Será o trabalhador escravo/máquina o trabalhador ideal (lembram-se do filme de Charlie Chaplin?), será o prazer no que faz (nem dar pelo tempo a passar...) fazendo bem e ainda ter tempo para ter acesso a cultura e educação ao longo da vida e para estar com amigos e família? E então “vem-nos à memória uma questão batida”: serão rendimento e satisfação profissional e de vida compatíveis? Na actual sociedade? Essa será a “primeira resposta do resto da nossa vida”...

Bem, independentemente da opinião pessoal de cada um para estas questões, vamos lá ver uma coisa: Quem poderá avaliar quem trabalha melhor, quem poderá no futuro vir a trabalhar melhor e em que ambiente poderá trabalhar melhor? Seguramente que não um qualquer patrão à custa do regime de Flexibilidade proposto no Projecto de Revisão do Código de Trabalho... Bem, a resposta, na minha opinião, é... Nós Próprios! Como? Através de uma pura (mais tarde explicarei porquê...) Orientação Vocacional (Escolar e Profissional), seguindo o exemplo do que os países de Leste Europeu fizeram (ou tentaram fazer...). Nestes países Cultura, Educação e Informação para Todos constituíam (ou procurava-se que constituíssem...) elementos “alimentadores” de uma expressão mais humanizada do mundo do trabalho. Existia um continuum vocacional natural entre ensino secundário, ensino universitário e mercado de trabalho que possibilitava (ou possibilitaria...) que cada pessoa fizesse o que “realmente” gostava! E vejam que nos países que aplicaram tal medida se constatava, por exemplo, que as vagas nas faculdades eram ocupadas de acordo com a decisão vocacional de cada um, não existindo uma sobrelotação de alguns cursos como poderíamos esperar (não iam todos para Medicina, Arquitectura ou Direito!). Não eram então necessários outros critérios de entrada tais como: resultados obtidos em provas de avaliação (repetição?) teórica...

Bem, seria uma ideia interessante também para o nosso país, mas então e os custos? Nada que um real investimento na Educação (e na Saúde) como projecto nacional de sólido futuro não pudesse comportar (acabar com off-shores, fuga aos impostos, privatizações de saldo também ajudaria...). Os lucros, esses chegariam pela qualidade profissional, pelo contributo inovador dos trabalhos de investigação (passaríamos a deixar de “copiar” os outros) e, quem sabe, por rendimento e satisfação profissional e de vida mais compatíveis!... Utopias?...

De volta à nossa realidade e pensando na Orientação Vocacional o que é que verificamos? Que profissões socialmente ultra-valorizadas (pelo seu esforço, utilidade, responsabilidade ou compensação monetária) provocam desequilíbrios e “cegueiras” no puro desenvolvimento vocacional e nas aspirações profissionais de cada um. Às vezes, é devido a estas crenças “quase irracionais” que escolhas são monopolizadas, sendo congeladas decisões autónomas resultantes de auto-análise e de uma real verificação de aptidões e interesses pessoais. Renuncia-se ao direito de ser feliz, dizendo que teve que ser!

O mundo do trabalho transforma-se num palco de simples representações de papeis (as profissões) : dos “bons” e dos “maus”. Não será pura e simples coincidência recordarmos o exemplo de... “Tens boas notas, vai para Medicina”! Não raras vezes, os jovens optam por determinados cursos, devido apenas às suas elevadas médias de acesso e possibilidade de ascensão ao topo da pirâmide social: “os senhores doutores”! Não acredito na formação de bons profissionais seguindo apenas estes critérios!

Na minha opinião, no que ao processo de pura orientação e selecção vocacional e, posteriormente, profissional diz respeito, será importante abafar do estatuto social de algumas profissões, a influência da variável compensação monetária ou seja, seguir uma carreira apenas e só pelo dinheiro e/ou saída profissional. Abafar? Palavra forte, ousada, à primeira vista irresponsável, mesmo ditatorial, a fazer lembrar outros tempos de má memória! Porém esta expressão (pois apesar de a ter traduzido num verbo, não creio que o seja propriamente) não se serve de uma “censura” relativamente a estas representações mentais (ligadas ao dinheiro e ao estatuto), que justamente iria questionar os termos éticos do exercício da psicologia! Existiria sim o constante Relativizar (talvez seja esta a expressão adequada), criação de uma “montra” de informações novas, com actualização das velhas, sobre o acto de ser/fazer, tidas de repente, pelos orientandos, como “até giras e também interessantes”, promovendo uma reestruturação cognitiva e emotiva (“nunca tinha pensado nisto”, “tinha uma ideia diferente sobre isto”, “vendo as coisas nesta perspectiva isto até tem a ver comigo”).

Seria provavelmente possível o “semear” de uma tolerância, quiçá desvalorização, em relação às posições estratificadas, algo “militarizadas”, que se presume estarem imiscuídas na “planta” do actual mundo profissional. Nestes momentos que poderia apelidar de terapêutico-vocacionais, que na minha experiência como estagiário já presenciei e constatei (ainda que a um nível formal e, consequentemente, não científico), julgo existir pouco espaço para dinheiro e estatuto, pois neste “acordar” para a busca da essência da construção pessoal da realidade, neste caso da realidade vocacional (trabalhos de Kelly, Savickas, entre outros), o que se procura, permitam-me porventura especular mais um pouco, poderá estar intimamente relacionado com factores genéticos e experiências adquiridas, sobretudo aquelas que se reportam às relações humanas com pessoas significativas. Bem, muito ainda haverá por saber, por pesquisar...

Voltando ao que se passa hoje em dia e ao que todos já sentimos, mas nunca traduzimos talvez. Quantas vezes já ouvimos: “Tu fizeste bem, o teu curso tem saída e vais ganhar bem” ou “Tu fizeste mal, vais para o desemprego”! Poderei até questionar a real justiça nas remunerações das diferentes profissões, pois infelizmente não se recompensa quem trabalha melhor, recompensa-se sim quem tem o “melhor” emprego. Acontece que o lema ocidental “Melhor homem para o cargo” é sabotado por um sistema educativo que alimenta a fabricação em série de pessoas que são autênticas máquinas fotocopiadoras, em que não existe espaço para a compreensão crítica e prática dos conteúdos (há felizmente muitas excepções também, mas por quanto mais tempo resistirão?). Um sistema de ensino, que privilegia a memorização temporária, o despejar de matéria em exames teóricos, transforma-se num teatro em que os bons alunos serão aqueles que melhor fingirem compreender. Para não falar da forma como alguns cursos das universidades privadas são “oferecidos”... A actual sociedade impele para que se estude não para aprender, não para prestar, mas sim para mais tarde ter, poder, ser! Porém, não se pode ser mais tarde, é-se ao longo da vida!

A meu ver, Educar e Formar deverá contemplar muito mais do que uma preparação técnica, pois as componentes comportamental e cultural são também essenciais! Será importante não só saber “apertar um parafuso”, mas também compreender como “funciona toda a fábrica”! Então e se os patrões das fábricas disserem que apenas pretendem que o trabalhador saiba “apertar um parafuso” e que se conforme com isso? Exemplo mais claro foi o procedimento das empresas portuguesas nos últimos anos ao ignorarem o necessário investimento no trabalho qualificado, aproveitando-se apenas da nossa mão-de-obra barata! Esquecem-se, no entanto, que quando o barco for ao fundo levará com ele até os ratos do porão!

Como contraponto olhemos para a formação, competências, cultura e educação de grande parte dos nossos colegas ucranianos! As empresas têm que entender de uma vez por todas (talvez precisem de uns “óculos”) que uma boa articulação entre o sistema educativo e o sistema produtivo traz ganhos para todos os parceiros envolvidos. Ora vejamos: para os indivíduos (para o seu desenvolvimento pessoal), para as organizações empresariais (ganhos produtivos) e para a sociedade em geral (usufruto de melhores serviços). Para além de que esta articulação possui para os jovens uma enorme importância, não apenas em termos de satisfação e bom desempenho profissional, mas também na construção da sua identidade, tornando-se cidadãos críticos e responsáveis, não apenas consumidores...

Ora, com a pura Orientação Vocacional, o psicólogo proporcionará ao consulente o “apalpar” do real mundo do trabalho e o “respirar” do Eu que se pretende afirmar. Pretende-se combater o “encaixotamento” das pessoas, a desinformação e a fundamentação dos estereótipos relacionados com a vida profissional. Activar processos de auto-inserção no sistema profissional, consoante a vocação de cada um. Para evitar que o trabalho continue a ser visto como um “fardo”, uma “seca”, é necessário criar condições para que a maioria das pessoas faça o que gosta, e não o que é obrigado a gostar! Note-se que o gostar implica um processo de auto-descoberta muito grande e delicado, que não devemos menosprezar atribuindo valor “ditatorial” aos testes psicológicos! O fazer deve incorporar-se naturalmente no nosso ser. As pessoas devem ser orientadas no sentido de se expressarem. O desempenho laboral poderá então humanizar-se.

Agora o que acham: Somos o que Fazemos ou Fazemos o que Somos?...

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