terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Já que se fala em união nacional...


Numa altura em que o nosso país parece estar numa fase decisiva de explosão ou implosão de desenvolvimento, em plena onda nacional de euforia via Mundial de Futebol, com a atenção distraída para o fenómeno desportivo, anunciam-se, como que assobiadas pelo vento, algumas vontades governamentais. Subitamente, acordamos do sonho futebolístico no qual todos estávamos no mesmo “barco”: o da união nacional.

As últimas intenções, relativamente a cortes nos abatimentos fiscais para matérias essenciais e legítimas (Educação, Saúde, Habitação, entre outras), por enquanto, ainda só passam em nota de roda pé num qualquer Telejornal... Decisões como estas não são mais do que brechas no “barco” da união nacional onde todos sonhamos, por momentos, estar.

Ora, parece que, para nosso pesadelo, só quando toca a futebol é que aparecem algumas figuras importantes no papel de adeptos e até (pasme-se!) de comentadores desportivos, com alma patriótica e cachecol aos ombros, pedindo uma “ingénua” boleia no tal “barco”...

Sem mais demoras e achegas, falemos, então, do assunto “esquecido” da actualidade: impostos. Em primeiro lugar, convém enaltecer o trabalho que tem sido desenvolvido, a um certo nível cultural, no que diz respeito aos cumprimentos fiscais: o progressivo abandono do “chico espertismo” da fuga aos impostos para passar ao cumprimento geral da população com discriminação forte a quem não o faz! Mas, será que se está a apontar para todos aqueles que não cumprem legal ou ilegalmente?... Um velho paradoxo na sociedade portuguesa.

Sejamos francos na análise, sem cairmos em generalizações irresponsáveis. É fácil listarmos as grandes e chorudas instituições que detêm as grandes fatias do Produto Interno Bruto português: bancos (pagam 1 por cento de impostos...), seguradoras, fortunas milionárias, farmacêuticas, construtoras, lucros bolsistas (para já não falar do jet-set português...). Muitos destes continuam a viver desafogadamente com um sorriso fiscal nos lábios... E, na maior parte das vezes, com a lei a “protegê-los”! Uma realidade à parte da “crise”...

O ideal seria, sem dúvida, termos no nosso país uma cultura de responsabilização, de transparência, de levantamento total do sigilo fiscal e do sigilo bancário, porém como a tradição portuguesa, infelizmente, vai muito mais no sentido da denúncia e do “apontar o dedo ao vizinho”, o Governo optou por esta via, à primeira vista, mais segura.

Segura no sentido de facilmente detectável com a cultura da espionagem. Basta pensarmos na justificada revolta que provoca conhecer “vizinhos” descarados que, declarando salário mínimo, possuem com um orgulhoso piscar de olho potentes carros e luxuosas moradias... Porém, se nos reportarmos ao grande crime económico, não descarado, mais sofisticado e disfarçado, as coisas tornam-se mais complicadas de sinalizar e investigar...

Também é certo que, com a (actualmente utópica?) transparência total, os grandes grupos financeiros facilmente encontrariam um simpático e silencioso off-shore ou optariam pela mudança para outro país de mão de obra mais barata e governo mais “amigo”... Enfim, a lei da selva do mercado “livre” global...

Já que se fala em união nacional em torno da selecção portuguesa de futebol com tão bons resultados, porque usar a mesma táctica para esta e outras questões?

vascoespinhalotero@hotmail.com(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

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