Segundo o sociólogo Carlos Fortuna (2001), costuma usar-se a noção de Cultura Local para se referir à cultura de um espaço relativamente limitado, cujos habitantes mantêm, entre si, estreitas relações interpessoais. Existe nesse espaço um sentimento de pertença relativamente ao ambiente físico, hábitos, cerimónias, símbolos, entre outros que contribuíu para reforçar os elos que ligam os indivíduos a um lugar e a partilha de um sentimento comum face ao passado. Cultura Local será acima de tudo um conceito relacional.
Ora, reportando-nos ao exemplo do concelho de Cantanhede, um estudo recente aponta, como razão primordial para o aumento do sentimento de pertença dos munícipes de Cantanhede relativamente ao seu concelho, um evento que promove as relações interpessoais e trocas culturais: a Expofacic! Este facto acaba, hoje em dia, por não surpreender quase ninguém, mas se recuarmos uns dez, quinze anos facilmente recordaremos que nessa altura o sentimento de pertença dos munícipes relativamente ao concelho de Cantanhede era quase inexistente! Nessa altura existia em muita gente algum desconforto em assumir que era do concelho de Cantanhede e uma rivalidade, por vezes pouco saudável, de várias freguesias para com a capital de concelho.
Então o que é que mudou? Muita coisa, mas um dos pontos mais importantes é que a Expofacic veio construir o tal espaço de partilha comum de costumes, tradições, cerimónias, símbolos das várias freguesias do concelho de Cantanhede que passaram a querer representar-se cada vez melhor (basta ver o cuidado e dedicação na representação dos seus stands, escolas, tascas, grupos folclóricos, artesãos, etc) e, simultaneamente, também saber mais sobre as outras! Os outros são, afinal de contas, os vizinhos, com quem temos necessidade de interagir, de nos inter-relacionar e ouvir.
Na verdade, o preconceito ou a rivalidade doentia existiam, não por se conhecer realmente e não se gostar ou concordar, mas sim, porque não se conhecia sequer e se tinha receio de que outros fossem melhores, quando na verdade eram apenas diferentes e ainda bem! Partia-se do pressuposto de que não se gostava, quando muitas vezes nem sequer se conhecia. Sejamos honestos, quantas vezes não dissemos ou ouvimos dizer: “nós pensávamos que o pessoal daquela terra era arrogante e antipático, mas conheci pessoas de lá que são muito boas e que me trataram muito bem; talvez, afinal, nós tivéssemos exagerado, porque na verdade nem sequer os conhecíamos”?
Em suma, com a Expofacic as gentes do concelho passaram a conhecer-se. Existe agora um orgulho na diversidade e respeito que reina na cultura de cada freguesia e entre freguesias, tendo transformado este evento e, consequentemente, o concelho de Cantanhede cada vez mais numa verdadeira “aldeia global local”! Sendo que este fenómeno assenta, não na produção de homogeneidade (no forçar a existência de uma só cultura, como sucede na globalização “americanizada”…), mas sim na nossa familiarização com uma maior diversidade, com um leque cada vez mais amplo de culturas locais. Aqui o nosso concelho dá o exemplo ao mundo! Se a rivalidade cultural saudável se mantém (e ainda bem porque é sinal de longa vida para todas as tradições), já a rivalidade doentia e preconceituosa vai felizmente desaparecendo.
Neste sentido permitam-me até estabelecer uma analogia entre dois eventos distintos, mas com consequências algo semelhantes no que ao aumento de um sentimento de pertença diz respeito: o Euro 2004 para os portugueses e a Expofacic para todos os habitantes do concelho de Cantanhede. Com a vantagem de a Expofacic ocorrer todos os anos!
* Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacionalvascoespinhalotero@hotmail.com
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