terça-feira, 2 de janeiro de 2007

A Ilusão das Médias


Dizia-me há tempos um amigo que na maioria das empresas, aquando da realização de um processo de recrutamento e selecção de trabalhadores, se ponderava, para a escolha 50% de peso para a entrevista, 25% para o currículo e outros 25% para a experiência profissional. È notória a importância da entrevista, que comporta a avaliação de parâmetros relativos a conhecimentos, comunicação, personalidade, atitudes e apresentação, sendo que a sua ponderação para cada candidato está dependente da especificidade da cultura da empresa, do grupo/equipa de trabalho a que se destina, das indicações dadas pela descrição e análise de funções e pelos critérios de avaliação de desempenho. Claro que esta abordagem cai por terra quando estas tarefas não são levadas a cabo por profissionais competentes e com ética, mas sim pelos ilustres representantes do “nacional porreirismo”: a família Cunha!...

Toda esta análise incide fortemente em aspectos informais e relacionais que, obviamente, não se obtêm de uma forma artificial. Esta reflexão força-nos a recuar um pouco no tempo e voltar aos tempos de escola e, mais tarde, escola profissional, cursos de formação ou universidade. Nessa altura qual era a importância dada aos aspectos que referi no parágrafo anterior em termos de educação, formação, orientação vocacional e, finalmente, entrada nas diversos áreas curriculares ou cursos? Sabe-se que estas características relacionais se ganham de uma forma autêntica e genuína, na forma de actividades extra-curriculares de aprendizagem “descontraída” e natural (vejam lá se não são estas as coisas que se lembram dos tempos de escola?) e não em simples acções individuais (ou egoístas) de “marranço” para os testes!

Estas obsessões estudiosas revelam-se, nos seus casos mais extremos, meras formas de fingir que se “sabe a matéria muito bem” (quantas vezes não ouvimos ou pensámos: “eu tirei 18 naquela disciplina, mas já nem me lembro de nada”…), pois o objectivo final é atingir a milagrosa média de entrada para o curso que será a salvação ou a recompensa por todas as privações sofridas, em termos de saídas com os amigos, trabalhos que não contam para a nota, participação nas associações de estudantes, trabalho comunitário, etc.

Apesar dos excelentes contributos, como são o caso de disciplinas como Área-projecto, Formação Cívica ou os clubes e formações na escola, a verdade é que a desorientação é encontrada, quando os professores e alunos sentem que depois “não é aquilo que os fará entrar no curso que querem”, para não falar na falta de meios… Existe, na minha opinião, uma cultura de ditadura das médias, que se crê serem a chave para todo o sucesso profissional, quando a realidade é bem diferente! Este fenómeno tem talvez a sua face mais visível e incentivadora na selecção efectuada para a entrada no ensino superior, na medida em que pode levar-nos a aceitar resignadamente que esta é uma boa forma para se prever “se este aluno vai ser um bom profissional em determinada área e outro aluno não”. Este processo pode inclusivamente não respeitar a vocação profissional de um aluno, tornando-o refém em casos como “tens média de 18 então tens que ir para Medicina”!

Sabem qual o peso que é dado às médias de final de curso, em comparação com todas as informações que referia no início deste artigo? Quase nenhum! De que vale contratar um trabalhador com um “rótulo” de grande média, se porventura no estágio que fez (sendo que este sim representa realmente o “saber a matéria muito bem”), no trabalho com os outros profissionais da sua equipa ou mesmo a nível dos conhecimentos técnicos (que se avaliam realmente no dia-a-dia profissional e não na matéria despejada no exame) este revela baixos resultados?!

O que podemos concluir? Relativamente à Educação há de facto um equívoco que atribui o conceito de despesa às actividades extra-curriculares, quando, como se prova pelos critérios seguidos nos processos de recrutamento e selecção, constitui na verdade um investimento na qualidade profissional dos trabalhadores do nosso país! Relativamente ao Trabalho realça-se a pertinência da permanente formação profissional (relativamente a aspectos que não foram potenciados nos trabalhadores no seu passado e não só) como um investimento para gerar quadros qualificados que permitam às empresas portuguesas ombrear com as estrangeiras na qualidade apresentada. Investimentos em projectos compreendidos pelas pessoas e com os quais estas se identifiquem de uma forma autêntica e interessada!

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