terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Preconceitos e negligências


Nesse enorme país que é o Brasil encontramos facilmente um curioso denominador comum, no que diz respeito à existência de uma suposta crença social transformada ao longo do tempo num dogma (em algo que se acredita sem saber bem porquê): a referência anedótica ao português (um pouco à imagem do “alentejano” nas anedotas nacionais). E quais as razões atribuídas pelos brasileiros para a formação deste estereótipo? A maioria não sabe, apenas reproduz automaticamente uma tradição que ridiculariza o português por convenção social, ou seja, porque toda a gente o faz, mesmo que as suas experiências pessoais não o confirmem (ex: pessoas que já foram a Portugal e/ou que conhecem portugueses).

Por outro lado, vários pensadores e intelectuais conseguem discernir a origem do fenómeno. Em primeiro lugar, a questão da colonização (neste ponto há semelhanças com os espanhóis que também são ridicularizados anedoticamente nas suas ex-colónias), sendo que esta é a única parte da história de Portugal que os brasileiros conhecem. Em segundo lugar, a percepção de que os portugueses não souberam gerir da melhor forma as suas colónias, revelando alguma inércia e submissão relativamente aos interesses ingleses. E em terceiro lugar, a emigração portuguesa para o Brasil durante os tempos da ditadura do Estado Novo, altura em que milhares de pessoas chegaram ao Brasil nas décadas de 40, 50 e 60 praticamente com uma “mão à frente e outra atrás”, com pouca ou nenhuma formação profissional, cultural e económica. Era gente que na altura vivia praticamente na miséria e que em termos de alimentação não passava da subsistência fornecida pelo seu quintal, comiam-se alguns legumes, sardinhas, pão, bacalhau e não muito mais. Ora, esta foi a formação profissional que a maioria dos emigrantes levaram para o Brasil, era nisto que podiam trabalhar para se sustentarem numa terra nova. Sabendo o povo brasileiro apenas isto e mais nada, assim formou o estereótipo do português no Brasil!

No entanto, como obviamente verificamos, as informações que levaram a este estereótipo são escassas e não foram contextualizadas, caindo na indução clássica. O que sucede é que o que chega ao Brasil sobre Portugal, em termos culturais, sociais, políticos, económicos, é mesmo muito pouco e é fruto desse desconhecimento que os preconceitos que abordei são mantidos. Torna-se realmente muito interessante e gratificante verificar que quando estas contradições lhes são explicadas, assim como outros aspectos sobre a história, cultura, política portuguesas do passado e presente, quer nos seus pontos positivos quer nos negativos, são os próprios brasileiros a encarar os seus preconceitos como absurdos e ridículos (quase que pedem desculpa...), demonstrando por acréscimo um grande interesse e respeito por uma cultura diferente.

Através do intercâmbio cultural genuíno termos de comparação, como “o meu país é melhor que este” (que em si mesmo são fontes de novos preconceitos, pois se pensarmos assim só vamos prestar atenção nas coisas que confirmem que somos mesmo os maiores), tornam-se despropositados. Lembra uma pessoa que apenas conhece o seu jardim e mais nenhum, mas afirma a “pés juntos” que tem a certeza que só o seu é bom! Na verdade o ódio, o gozo, enfim, o preconceito existe, não por se conhecer realmente e não se gostar ou concordar, mas sim porque não se conhece sequer e se tem receio de que outros sejam melhores!

Seguindo esta linha de raciocínio, podemos concluir que se trata de uma atitude defensiva, de um receio de se ser pior, quando, afinal de contas, as culturas e tradições não são piores, nem melhores, não se podem pesar numa balança, pois dependem muito do seu contexto. São, sim, inevitavelmente diferentes e ainda bem! E este direito à diferença que todos queremos que nos seja respeitado também o devemos respeitar, porque se trata da maior prova da verdadeira riqueza da humanidade!

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