Entre o homem e a organização prescrita para a realização do trabalho existe, por vezes, um espaço de liberdade que autoriza uma negociação, invenções e acções de modulação do modo operatório, isto é, uma invenção / sugestão do trabalhador sobre a própria organização do trabalho, para adaptá-la às necessidades e desejos da organização para a qual trabalha, dos clientes a quem presta serviço e, acima de tudo, do próprio trabalhador, que é aquele que mais fica satisfeito com o sucesso do seu trabalho! Exemplos disso são verificados quando os trabalhadores dão sugestões para um melhor funcionamento e qualidade do seu serviço, sendo construtivamente quer declarados, quer ouvidos!
E aqui há que fazer um esclarecimento científico: para esta colaboração existir não são necessárias mais (ou menos...) compensações monetárias, pois trata-se de uma necessidade / potencialidade humana e social, basta haver predisposição para a organização a receber! A vontade de trabalhar bem, com prazer naquilo que se faz é uma porta que está sempre aberta em todos os trabalhadores de todas as organizações, pois na verdade ninguém quer trabalhar mal! Talvez por aqui se possa concluir o fracasso do mito da privatização para obrigar os trabalhadores das empresas públicas a trabalharem “como deve ser”, pois o autoritarismo, que aparece “vestido” de rigor profissional (ou a ameaça de despedimento...) não facilitam a contribuição das pessoas, antes pelo contrário, seja num empresa pública, seja numa privada! ...
Porém, quando a tal negociação que abordei no início do artigo não existe, devido à “surdez” egocêntrica e medrosa de não ter mão firme nos seus “súbditos”, por vezes, diagnosticada a muitos administradores e gestores ou a processos burocráticos destruidores, a relação homem-organização do trabalho fica bloqueada e entra-se no domínio do sofrimento dos trabalhadores e do modo como os trabalhadores reagem a esse sofrimento! E aí, sim, nascem o mau serviço, as más relações dentro do trabalho, absentismo, doenças no trabalho, stress (e consequentemente a baixa produtividade...), que no fundo não são uma “doença” (que no universo cultural português, muitas vezes displicentemente, se aponta aos funcionários públicos), são sim um sintoma que nos sugere a “doença” que atrás descrevi : a falta de negociação, invenções e acções entre os trabalhadores e seus superiores sobre a própria organização do trabalho!
O indivíduo, neste caso o trabalhador, dispõe de muitas vias de descarga da sua energia. Essas vias de descarga são três: via psíquica, via motora e via visceral. A primeira é saudável, enquanto que as duas seguintes nem sempre são.
Segundo Freud (1968), tomado pela sua energia pulsional direccionada para o trabalho, um sujeito pode eventualmente produzir criatividade e envolvimento, que são representações mentais que podem, às vezes, ser suficientes para descarregar o essencial da tensão interior. Outro sujeito não conseguirá relaxar-se por esse meio e deverá utilizar a sua musculatura: fuga, crise de raiva motora, actuação agressiva, violência, oferecendo toda uma gama de “descargas psicomotoras” (quem não viu já pessoas a “explodirem” por causa do trabalho?).
Enfim, quando a via mental e a via motora estão fora de acção, a energia pulsional não pode ser descarregada senão pela via do sistema nervoso autónomo e surgem então as doenças psicossomáticas (fadiga crónica, depressão, entre outras são geralmente mais comuns em pessoas que não “explodem” como no exemplo anterior).
Mas que tipo de trabalho ou formas de estar no e com o trabalho darão ao Homem possibilidade de não sofrer neste contexto? É deixa-lo não fazer nada? Isso é que era bom, diriam alguns! Ora bem, o psiquiatra francês Cristophe Dejours sugere uma abordagem que aproxima a Psicopatologia do Trabalho e a Ergonomia, apontando três respostas: a primeira é a possibilidade de participação na organização do trabalho; a segunda diz respeito à liberdade / autonomia no trabalhar dentro da organização; a terceira é a autêntica orientação vocacional.
O trabalho torna-se perigoso para o aparelho psíquico quando ele se opõe à sua livre actividade. Ou seja, quando as regras são impostas sem serem explicadas e negociadas abertamente e as contribuições, sugestões e participações dos trabalhadores permanecem olhadas com desconfiança! Cai assim o mito de que “os trabalhadores gostam é de não fazer nada”!
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