terça-feira, 2 de janeiro de 2007

O rigor sem rigor nenhum


Numa fase de sol, praia e relax pós euforia futebolística, as últimas intenções governamentais, relativamente a cortes nos abatimentos fiscais em matérias essenciais e legítimas (Educação, Saúde, Habitação, entre outras) começam a surgir à tona de água. Por enquanto, ainda só nas notas de roda pé num qualquer Telejornal... Estratégias de marketing político para uns, propaganda calculista para outros.

Suspeita-se facilmente sobre qual a argumentação que sustentará tal medida fiscal. O Estado gasta o que considera ser demasiado com estas áreas e quer deitar mão a expedientes que limitem abusos – no preço de consultas, medicamentos, livros técnicos, rendas exorbitantes, etc – que depois terá de pagar à parte. E, de caminho, aumentando a arrecadação do IRS. Porém, o que sucede previsivelmente de seguida? Os produtos ou serviços continuam nos seus altos preços e os seus ainda mais altos lucros. Tal como poderá suceder com o preço da gasolina, mesmo baixando o imposto...

Voltando a dizer o que já muitos alertaram: quem vai acabar inevitavelmente (se nada se fizer...) por pagar a conta e ser o crucificado nesta aparente cruzada em prol da “justiça fiscal”? Será que é acabando com esses supostos “ricos” que ficaremos todos iguais? Talvez haja sempre alguns mais iguais do que outros... Afinal, o que é feito da máxima, utilizada tanto pela direita como pela esquerda, da igualdade de oportunidades?

Numa altura em que se apela à unidade nacional, a pactos de regime, a consensos de Estado é revoltante darmo-nos conta de como estes desígnios são usados para tentar que se passe um cheque em branco a políticas baseadas em critérios tão desiguais! No fundo, seria como se fosse nosso dever patriótico, em nome da estabilidade do nosso país, convidarmos e agradecermos a quem nos “rouba” a casa, porque não se consegue impedir as obras de ampliação do luxuoso palácio do vizinho!

O rumo traçado parece cópia das lendárias directrizes do xerife de Nottingham: cortar nas “migalhas” do povo (vulgo classe baixa e média) para continuar a deixar fugir as grandes fatias do bolo para os nobres (classe alta).

É fácil distinguirmos a classe alta como as grandes e chorudas instituições que detêm as grandes fatias do Produto Interno Bruto do nosso país: bancos (pagam 1 por cento de impostos!...), seguradoras, fortunas milionárias, farmacêuticas, construtoras, lucros bolsistas (para já não falar do jet-set português...). Muitos destes continuam a viver desafogadamente com um sorriso fiscal nos lábios... E na maior parte das vezes com a lei a protegê-los! Uma realidade à parte da “crise”...

Haverá sempre quem ache que são sacrifícios (para apenas alguns...) que se terão de fazer pelo desenvolvimento do país, mas se é de números que falamos, pois apontem-se algumas estatísticas esclarecedoras. Sabia que a diferença de rendimento entre os mais ricos e os mais pobres, no mundo, era de 30 para 1 em 1960 e subiu para 74 versus 1 em 2001? Sabia que 20 por cento dos mais ricos controlam 86 por cento da PIB mundial e 20 por cento dos mais pobres controlam 1 por cento?

E como é que se chegou a estes números? Como se deixou chegar a situação mundial (e nacional por arrasto) a este estado? E como será daqui a mais uns anos? Chegou-se a este ponto por decisões tomadas e por outras que não se conseguem tomar!...

vascoespinhalotero@hotmail.com(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

Sem comentários: