terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Mudar ou mudar "devagarinho"?


Há tempos, ouvimos o nosso Ministro das Finanças afirmar, com confiança, acreditar que dentro de pouco tempo será concluída uma mudança cultural, já em evolução, no nosso país, no que diz respeito aos cumprimentos fiscais: o abandono do “chico espertismo” da fuga aos impostos para passar ao cumprimento geral da população com discriminação forte a quem não o faz!

Com medidas cada vez mais rigorosas (talvez na opinião de alguns falte o levantamento do sigilo bancário), este facto poderá mesmo em breve ser uma realidade, sendo que actualmente já conseguimos ver que algo está mesmo a alterar-se neste ponto vital do desenvolvimento nacional e as pessoas começam a acreditar que é mesmo possível! Atenção que com isto não quero comentar a actuação do Governo, mas sim citar apenas este exemplo em particular!

Porém, há bem pouco tempo atrás, este fabuloso exemplo seria tido como culturalmente impossível numa qualquer conversa de café. O que pensavam as pessoas na altura? Basicamente dividam-se em dois grupos. As mais resignadas diziam “neste país sempre foi assim, não dá para mudar”, confidenciando, com um sorriso nos lábios, que só se “abrissem a cabeça às pessoas”! Outras, supostamente pessoas mais interventivas, alegavam que as “mentalidades” tinham que mudar e que só se poderia fazer isso “devagarinho”...

Ora, se o primeiro conjunto de pessoas assumidamente nada fazia, o segundo conjunto confiava numa mudança gradual “milagrosa”, nada fazendo porém, esperando que viesse tudo do “céu aos trambolhões”! Ouviam-se risadas cúmplices e amargas de uns e viam-se olhares cabisbaixos e apreensivos de outros. Mas a conclusão nos dois grupos era a mesma: não é possível mudar, portanto, caso encerrado e tudo ficava na mesma!...

Porém, neste caso, por exemplo, as coisas estão mesmo a mudar, embora não devamos “por a carroça à frente dos bois”. Resumindo, esta era uma mudança consensualmente pedida, impossível para alguns, que supostamente necessitaria de alterações “milagrosas” de longo prazo de “mentalidades”, mas o que é certo é que aconteceu e mais rapidamente do que se estaria à espera! Mas como é que se conseguiu?

Sucedeu que um terceiro grupo de pessoas assumiu a necessidade imediata de mudança (que já era reclamada pela maioria das pessoas na sociedade portuguesa, se bem que de formas diferentes...), recolheu opiniões e sugestões de métodos e critérios consensuais e simplesmente actuou com confiança e legitimidade. Ou seja assumiu-se que era mesmo para mudar e não para se ir supostamente mudando “devagarinho” por causa das “mentalidades” (no fundo será mais receio das resistências...). Este é apenas um exemplo de como se pode mudar a sério, com sucesso e a curto prazo: com “garra”!

Mas atenção, não parecerá esta “garra” para mudar uma imposição ditatorial? Não, existe uma enorme diferença relativamente à mudança autoritária que se constitui na possibilidade de participação, de dar voz a quem quiser sugerir (e não só destruir), de recolher opiniões construtivas para criar consensos de forma organizada e regular. Enfim, ouvir e responsabilizar na mudança que é sugerida consensualmente. E isto basta? Não. Depois há que agir com confiança, mudar sem receio, pois a razão aí já está do nosso lado, o apoio das pessoas também e nesta fase não as podemos defraudar...

No que diz respeito ao envolvimento das pessoas há que ter em conta um pilar de base: existe a “maioria silenciosa” (que não participa, nem sugere ou se responsabiliza) e a “maioria silenciada” (que pretende ser parte activa da mudança e que encontra um, muitas vezes “burocrático” e “pouco ruidoso”, não!).

E quando se volta atrás num processo de mudança participado? A pessoas que participaram não voltam a participar juntando-se à “maioria silenciosa”. As pessoas que não participaram ficam orgulhosas de não o ter feito e ganham “estatuto” para dar o seu exemplo à “maioria silenciada”. Os lideres e suas equipas que propuseram e trabalharam na mudança tornam-se “reféns” de uma nova autoridade agora criada: a “maioria orgulhosamente silenciosa”! Esta nova maioria impedirá para sempre e com muito mais facilidade qualquer tentativa de mudança consensual e tudo ficará para sempre na mesma para desgosto da esmagadora maioria das pessoas!

É óbvio que resistências a qualquer mudança surgem sempre e são humanamente inevitáveis, até mesmo em pessoas que concordaram com ela. Mas podem até ser positivas se servirem de exemplo, sabendo lidar-se com elas (quer os casos negativos, quer os positivos). E como lidar com as resistências à mudança? Primeiro, nunca alterando decisões consensuais tomadas em função de casos individuais. Segundo, com uma postura aberta e humilde, dando exemplos positivos do que se vai conseguir no futuro, lembrando exemplos negativos do que não se conseguia no passado, explicar, ouvir, oferecer ajuda nesta fase de passagem, etc. Enfim, compreender a dificuldade e resistência, mas sem voltar atrás ou deixar tudo como estava!

Ao longo da nossa História, as mudanças respeitadas sempre se deram com este terceiro grupo a “puxar”, a arriscar, a explicar, a inovar com humildade para ouvir e garra para avançar! Basta pensarmos num bom exemplo de envolvimento e “mãos à obra” colectiva portuguesa. A população portuguesa foi, a nível europeu, das que mais rapidamente se habitou à mudança de moeda escudo – euro! Este facto só por si motivo de orgulho, leva-nos aos pícaros do nosso ego se recordarmos que infelizmente estamos na cauda da europa a nível de alfabetismo, índices de escolaridade e formação! Uma gigantesca mudanças de “mentalidades” que não precisou de ser feita supostamente “devagarinho”...

vascoespinhalotero@hotmail.com

Motivação custa pouco dinheiro


Há tempos, ouvi alguém dizer que as organizações de sucesso a nível regional, nacional ou internacional só “acontecem” com quem faça as coisas acontecer: pessoas talentosas nas suas áreas, dedicadas, capazes de resolver problemas e com capacidade de criar soluções.

Os produtos podem ser imitados, a tecnologia pode ser comprada, até o dinheiro pode ser emprestado... Ora, cada vez mais, a “diferença” no mundo das organizações faz-se com ideias e projectos de qualidade criados por…pessoas motivadas!

Parece simples e óbvio. Porém, muitos logo dirão, num juízo muito popular, que a motivação vem do salário e mais nada, tudo o resto é perda de dinheiro precioso para a organização. Outros acrescentarão que a motivação é uma obrigação, pois, se estes não servem há mais quem queira, na lei da selva do mercado liberal... Nada mais errado ou, pelo menos, mal informado.

Em primeiro lugar, quando uma organização perde um trabalhador eficiente perde tudo o que nele foi investido até então (formação, benefícios, apoios, etc). A perda é duplicada quando há necessidade de dar formação às pessoas que vieram substituir as que saíram e quanto mais alta for a posição hierárquica mais altos os custos...

Por outro lado, se analisarmos bem, concluiremos com realismo que as pessoas trabalham, entre outras coisas, também e muitas vezes, acima de tudo, por dinheiro, mas motivam-se e dedicam-se de “corpo e alma” a metas enaltecidas de valores, missão e o seu contributo para o todo.

Vejamos um exemplo quando as coisas correm bem. Quando, no dia-a-dia de trabalho, o trabalhador persegue o cumprimento ou superação de objectivos (anteriormente negociados em consenso com a sua chefia), não abandona situações/casos pendentes com clientes internos ou externos e apresenta propostas de melhoria / inovações (não apenas para um caso, mas para aspectos transversais) que julga terem boa probabilidade serem ouvidas e aprovadas.

E como surgem as condições para que os bons exemplos floresçam? Os bons ambientes de trabalho seja em equipa de trabalho, seja em toda uma organização não surgem do acaso. São, sim, criados de forma fundamentada e preparada seja em meio público ou privado. Deixem de lado factores como sorte, dinheiro, crise ou o clássico “muito trabalho a fazer que não se tem tempo para essas coisas” para justificar os maus ambientes de trabalho...

Há que sublinhar claramente que satisfação no trabalho não é sinónimo de boas práticas por decreto, requer atitudes partilhadas e discutidas em equipa, acções concretas e compromissos assumidos / cumpridos, sobretudo por parte das lideranças.

Enfim, organizacionalmente, a motivação não pode ser vista como despesa, pois, na verdade dos factos e dos números, é investimento e na esmagadora maioria das vezes custa pouco dinheiro. Precisa, sim, de visão estratégica de longo prazo e podem crer que tem retorno, muito retorno.Devo esclarecer que a minha opinião é baseada em literatura científica da área e na aplicação no terreno de práticas de motivação em organizações públicas e noutras privadas, algumas líderes de mercado e nestas últimas pensa-se em tudo, excepto em perder dinheiro!...

vascoespinhalotero@hotmail.com(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

O rigor sem rigor nenhum


Numa fase de sol, praia e relax pós euforia futebolística, as últimas intenções governamentais, relativamente a cortes nos abatimentos fiscais em matérias essenciais e legítimas (Educação, Saúde, Habitação, entre outras) começam a surgir à tona de água. Por enquanto, ainda só nas notas de roda pé num qualquer Telejornal... Estratégias de marketing político para uns, propaganda calculista para outros.

Suspeita-se facilmente sobre qual a argumentação que sustentará tal medida fiscal. O Estado gasta o que considera ser demasiado com estas áreas e quer deitar mão a expedientes que limitem abusos – no preço de consultas, medicamentos, livros técnicos, rendas exorbitantes, etc – que depois terá de pagar à parte. E, de caminho, aumentando a arrecadação do IRS. Porém, o que sucede previsivelmente de seguida? Os produtos ou serviços continuam nos seus altos preços e os seus ainda mais altos lucros. Tal como poderá suceder com o preço da gasolina, mesmo baixando o imposto...

Voltando a dizer o que já muitos alertaram: quem vai acabar inevitavelmente (se nada se fizer...) por pagar a conta e ser o crucificado nesta aparente cruzada em prol da “justiça fiscal”? Será que é acabando com esses supostos “ricos” que ficaremos todos iguais? Talvez haja sempre alguns mais iguais do que outros... Afinal, o que é feito da máxima, utilizada tanto pela direita como pela esquerda, da igualdade de oportunidades?

Numa altura em que se apela à unidade nacional, a pactos de regime, a consensos de Estado é revoltante darmo-nos conta de como estes desígnios são usados para tentar que se passe um cheque em branco a políticas baseadas em critérios tão desiguais! No fundo, seria como se fosse nosso dever patriótico, em nome da estabilidade do nosso país, convidarmos e agradecermos a quem nos “rouba” a casa, porque não se consegue impedir as obras de ampliação do luxuoso palácio do vizinho!

O rumo traçado parece cópia das lendárias directrizes do xerife de Nottingham: cortar nas “migalhas” do povo (vulgo classe baixa e média) para continuar a deixar fugir as grandes fatias do bolo para os nobres (classe alta).

É fácil distinguirmos a classe alta como as grandes e chorudas instituições que detêm as grandes fatias do Produto Interno Bruto do nosso país: bancos (pagam 1 por cento de impostos!...), seguradoras, fortunas milionárias, farmacêuticas, construtoras, lucros bolsistas (para já não falar do jet-set português...). Muitos destes continuam a viver desafogadamente com um sorriso fiscal nos lábios... E na maior parte das vezes com a lei a protegê-los! Uma realidade à parte da “crise”...

Haverá sempre quem ache que são sacrifícios (para apenas alguns...) que se terão de fazer pelo desenvolvimento do país, mas se é de números que falamos, pois apontem-se algumas estatísticas esclarecedoras. Sabia que a diferença de rendimento entre os mais ricos e os mais pobres, no mundo, era de 30 para 1 em 1960 e subiu para 74 versus 1 em 2001? Sabia que 20 por cento dos mais ricos controlam 86 por cento da PIB mundial e 20 por cento dos mais pobres controlam 1 por cento?

E como é que se chegou a estes números? Como se deixou chegar a situação mundial (e nacional por arrasto) a este estado? E como será daqui a mais uns anos? Chegou-se a este ponto por decisões tomadas e por outras que não se conseguem tomar!...

vascoespinhalotero@hotmail.com(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

Já que se fala em união nacional...


Numa altura em que o nosso país parece estar numa fase decisiva de explosão ou implosão de desenvolvimento, em plena onda nacional de euforia via Mundial de Futebol, com a atenção distraída para o fenómeno desportivo, anunciam-se, como que assobiadas pelo vento, algumas vontades governamentais. Subitamente, acordamos do sonho futebolístico no qual todos estávamos no mesmo “barco”: o da união nacional.

As últimas intenções, relativamente a cortes nos abatimentos fiscais para matérias essenciais e legítimas (Educação, Saúde, Habitação, entre outras), por enquanto, ainda só passam em nota de roda pé num qualquer Telejornal... Decisões como estas não são mais do que brechas no “barco” da união nacional onde todos sonhamos, por momentos, estar.

Ora, parece que, para nosso pesadelo, só quando toca a futebol é que aparecem algumas figuras importantes no papel de adeptos e até (pasme-se!) de comentadores desportivos, com alma patriótica e cachecol aos ombros, pedindo uma “ingénua” boleia no tal “barco”...

Sem mais demoras e achegas, falemos, então, do assunto “esquecido” da actualidade: impostos. Em primeiro lugar, convém enaltecer o trabalho que tem sido desenvolvido, a um certo nível cultural, no que diz respeito aos cumprimentos fiscais: o progressivo abandono do “chico espertismo” da fuga aos impostos para passar ao cumprimento geral da população com discriminação forte a quem não o faz! Mas, será que se está a apontar para todos aqueles que não cumprem legal ou ilegalmente?... Um velho paradoxo na sociedade portuguesa.

Sejamos francos na análise, sem cairmos em generalizações irresponsáveis. É fácil listarmos as grandes e chorudas instituições que detêm as grandes fatias do Produto Interno Bruto português: bancos (pagam 1 por cento de impostos...), seguradoras, fortunas milionárias, farmacêuticas, construtoras, lucros bolsistas (para já não falar do jet-set português...). Muitos destes continuam a viver desafogadamente com um sorriso fiscal nos lábios... E, na maior parte das vezes, com a lei a “protegê-los”! Uma realidade à parte da “crise”...

O ideal seria, sem dúvida, termos no nosso país uma cultura de responsabilização, de transparência, de levantamento total do sigilo fiscal e do sigilo bancário, porém como a tradição portuguesa, infelizmente, vai muito mais no sentido da denúncia e do “apontar o dedo ao vizinho”, o Governo optou por esta via, à primeira vista, mais segura.

Segura no sentido de facilmente detectável com a cultura da espionagem. Basta pensarmos na justificada revolta que provoca conhecer “vizinhos” descarados que, declarando salário mínimo, possuem com um orgulhoso piscar de olho potentes carros e luxuosas moradias... Porém, se nos reportarmos ao grande crime económico, não descarado, mais sofisticado e disfarçado, as coisas tornam-se mais complicadas de sinalizar e investigar...

Também é certo que, com a (actualmente utópica?) transparência total, os grandes grupos financeiros facilmente encontrariam um simpático e silencioso off-shore ou optariam pela mudança para outro país de mão de obra mais barata e governo mais “amigo”... Enfim, a lei da selva do mercado “livre” global...

Já que se fala em união nacional em torno da selecção portuguesa de futebol com tão bons resultados, porque usar a mesma táctica para esta e outras questões?

vascoespinhalotero@hotmail.com(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

Assumir que filho de peixe.. sabe inovar!


Antigamente, a profissão era, muitas vezes, herdada por tradição familiar, numa suposta continuidade de características genéticas relativas a interesses e capacidades transmitidas de geração em geração. Tinha-se como certo que “filho de peixe sabe nadar”. No entanto, com o avançar da História as tradições foram caindo, para o bem e para o mal, e os “filhos deixaram mesmo de saber nadar” ou talvez nunca tivessem mesmo gostado de “nadar”.

Ou seja, as novas gerações ganharam mais espaço para apresentar aos antecessores os seus interesses e capacidades, não apenas aquelas que os seus pais gostariam que tivessem. Os “filhos de peixe” passaram a poder assumir que preferiam, por vezes, correr, saltar, estudar ou trabalhar noutro ofício.

Esta nova liberdade gerou mudanças repentinas que, nalguns casos, criaram vergonha nos “novos” em assumir os labores familiares dos “velhos”. Pela sua parte, os pais, embora desgostosos, acabaram por aceitar as novas opções dos filhos, muitas vezes, quando lhes era explicado que as saídas profissionais ou salário eram mais risonhos...

Ora, se seguir, sem escolha alternativa, a profissão dos pais, hoje em dia, já é pouco aceitável, também o será o menosprezar destas “velhas profissões” por não estarem na moda ou não constituírem estatuto de doutor, engenheiro, enfim.

O mesmo erro é cometido relativamente às tradições e “compreensões” culturais, que passando durante décadas de geração em geração, “emperraram” nestas últimas (das quais também faço parte). Ora, este “corar de vergonha”, relativo ao passado profissional e cultural de muitas gerações em Portugal, criou um “buraco” de partilha de experiências e de valorização profissional, cultural e, porque não, de orgulho nacional (que não se mede apenas pelos gritos das claques da selecção nacional de futebol...).

Julgo, porém, que felizmente começamos a recuperar deste bloqueio. Já podemos ver, por exemplo, gente nova com profissões simples e manuais. Nestes casos específicos, o papel dos cursos profissionais, técnicos e os novos currículos escolares foi e continuará a ser fundamental para combater o insucesso escolar e a acumulação de mão de obra pouco qualificada e desempregada... Já ouvimos dizer com orgulho ou naturalidade sem complexos “sou mecânico”, “sou pintor”, “sou jardineiro”, entre outros.

Por outro lado, vemos de igual modo, hoje em dia, frequentemente, pessoas bastante qualificadas terem como hobbies actividades mais simples e “humildes”. No fundo, talvez sempre tenham sido a sua verdadeira vocação, mas que, por diversos motivos (financeiros, saídas profissionais, proximidade de casa ou estatuto socio-profissional), foram postas de lado. É, pois, possível conciliar o que se faz e o que se gosta no mesmo trabalho ou na conjugação trabalho/hobbie. Não deixo de pensar que o assumir, na idade adulta, destes sonhos ainda possíveis de realizar é um acto de comunhão com o passado pessoal, mas também com a herança geracional, no sentido em que aprendemos a respeitar outras profissões, outros tempos e realidades, outros projectos de vida.

E depois há questão salarial... Atentemos para o facto de que, actualmente, um bom mecânico poderá ganhar mais dinheiro do que um mau” engenheiro”, pelo menos assim faria sentido... Acho que não serei utópico, mas sim realista se esperar que um dia as pessoas ganhem mais ou menos, em grande parte, pelo seu desempenho pró-activo e não pelas “medalhas” que trazem ao peito ou anéis nos dedos.

Sonho até que a “doutourice” ou “engenheirice”, ou seja, a reverência e subserviência das pessoas relativamente aos detentores de títulos profissionais sonantes (que de tanta mordomia mais parecem de tempos passados) terá inevitavelmente os dias contados. Se quisermos apostar no desenvolvimento sustentado e não na exploração do “zé povinho” remetido ao suposto seu estatuto de trabalhador “não –pensador”. Creio ser inevitável seguirmos por este caminho...

Temos exemplos concretos desta pesada corrente cultural que se manifesta também no século XXI : os estrangeirismos que usamos na nossa língua para dar um “ar moderno”, os termos técnicos com que nos vangloriamos sem conseguir “trocar por miúdos”, a pomposidade do fato e gravata que nos retira naturalidade de movimentos e pensamento, a hiper-preocupação ou obsessão em dar uma boa imagem (esquecendo quem o faz que se trata apenas disso, não mais do que uma “casca” que não chega para mostrar recheio...). Devo dizer até que, a título pessoal, não me convencem sobre a manutenção de termos “estrangeiros” na língua portuguesa, supostamente, por não haver tradução possível para português...

Por mais paradoxal que possa parecer, penso que, para os portugueses vencerem o desafio da inovação, a recuperação deste conhecimento e orgulho do passado profissional e cultural das anteriores gerações nacionais é essencial. Sucede que isso pode ser transformado em confiança para criar, propor, arriscar, na medida em que sabemos o “chão que pisamos”, a História que herdamos e o futuro que podemos fazer crescer. Conhecer o nosso passado permite-nos olhar em frente, pois sabemos que representamos uma “equipa de várias gerações“.

Poderão dizer-me que estou a ser demasiado drástico ou abusivamente generalista (é claro que há excepções), mas a História, neste caso, suporta o meu juízo. Basta pensar na quase eterna submissão portuguesa ao império inglês e, em contraponto, ao empreendorismo dos Descobrimentos em que avançamos, arriscamos e inventamos sozinhos, mas juntos e esclarecidos sem “falinhas mansas”...

vascoespinhalotero@gmail.com(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

A Perda de uma Pessoa


As chamadas intervenções em crise têm sido mais faladas em termos mediáticos por altura do Verão, aquando das tragédias humanas causadas pelos incêndios ou noutras calamidades públicas que envolvam perdas materiais e, sobretudo, humanas. O apoio psicológico nestas situações de perda inesperada é muito importante (pois cada pessoa que sentiu a perda está tão abalado por esta que apenas consegue preocupar-se, numa primeira fase, em reagir individualmente), mas também o poderá ser nas situações de perda já esperada, tudo depende de muitos factores... E como saber se precisamos de ajuda ou não?

Os acontecimentos de perda não se tratam daquelas situações que pensamos só acontecer aos outros e depois até nos podem acontecer a nós, são sim acontecimentos inevitáveis na vida! A questão aqui é como reagir da melhor forma possível e evitar que uma má “digestão” deste processo nos marque negativamente para o resto da vida. Sim, porque existe o perigo, não pelo acontecimento negativo em si ter ocorrido, mas sim pela forma como o “encaixamos”. É óbvio que cada pessoa tem a sua forma específica de ser e, consequentemente, de reagir. É bom esclarecer que a boa gestão psicológica da situação não é sempre a mesma, ou seja não existe uma “receita única que se dê às pessoas para que não fiquem traumatizadas com a perda que sofreram”!

Cada pessoa “trabalha” a questão de maneira diferente, trilha caminhos próprios, mas existem parecenças gerais e “sinais vermelhos em várias dessas estradas” que não se podem passar e às vezes sozinhos não os conseguimos distinguir. Agora o que se pode fazer autonomamente, em grupo/família e/ou com apoio psicológico profissional é prevenir, no momento a seguir à perda (horas, dias, meses), que não se reaja de formas específicas bem descritas que já sabemos poder ter consequências danosas no futuro para pessoa.

Nas situações de perda é importante realizar o luto sob dois grandes pilares: as atribuições do acontecimento (“porque perdemos esta pessoa?”; “porquê agora?”; “existe um responsável por esta perda?”; “agora fiquei sozinho?”; “sofro mais ou menos que os outros?”; “o que é que poderia ter feito para impedir isto?”, etc) e as recordações da pessoa que perdemos (ex: a forma como descascava uma laranja, como andava de bicicleta, a sua preguiça em trabalhar, as brincadeiras com os netos, a barba que picava quando lhe tocavam, as suas intermináveis histórias à refeição, etc).

Relativamente ao primeiro pilar, aqui mais que tudo é necessário que uma ou mais pessoas ao lado ajudem quem faz o luto a elaborar respostas verdadeiras e adequadas, não fugindo aos factos, evitando dúvidas e principalmente atribuições extremas e perigosas que possam gerar revolta, agressividade, vingança (ex: “isto foi tudo culpa de Deus”; “vou vingar-me”; “agoira não confio em ninguém”; “as pessoas são todas más no mundo”, etc). Atenção que isto não implica que se uma pessoa quiser gritar, chorar desalmadamente não o possa fazer! Apenas o conteúdo das suas explosões é que deve ser apoiado e explicado convenientemente. Como? Com espaço, esperando pelo silêncio da pessoa para então falar de forma a que ela oiça realmente! E não de “rajada racional”, “calando a pessoa”, reprimindo-a até mesmo involuntariamente, não deixando espaço à pessoa para libertar as emoções! Só depois desta libertação poderá mais facilmente compreender a análise racional dos factos que lhe é proposta por quem está a apoiar (amigos, família ou profissional).

Aliás, os ataques de choro são momentos de catarse importantíssimos que normalmente surgem em presença de pessoas que nos são queridas e que conhecem bem o nosso interior, representam o quebrar das nossas barreiras racionais e o abrir de portas à emoções que depois ajudam a equilibrar a nossa personalidade e vivências futuras. Em suma, são inevitavelmente necessários e estruturantes para a nossa vida! O perigo surge quando a pessoa não chora, mantém-se com “compostura”, supostamente está bem, mas há uma série das tais questões que referi atrás que ficaram mal esclarecidas, cria-se a uma calma aparente que mais tarde se mostra na forma de depressão, ataques de fúria, em atitudes frias e calculistas, enfim, psicopatologia ou mesmo psicopatia!

Relativamente ao segundo pilar chamo a atenção para o facto de se ter referido, como exemplos, pormenores característicos de uma pessoa, bons ou maus, não fazendo dela um “santo” nem um “diabo”! Estas duas tentações tornam-se perigosas no sentido em que poderão muito facilmente levar a pessoa que faz o luto a dizer “esta era uma pessoa totalmente perfeita, a vida vai ser terrível sem ela” ou “esta pessoa era totalmente terrível, ainda bem que partiu, se calhar até foi bom”. Ora, tanto uma posição extrema como a outra levam a que nos recusemos a reconhecer o legado de conjunto que a pessoa nos deixou e que “escavemos um buraco” nas recordações da nossa vida (sucede que mais tarde idolatramos a pessoa de forma doentia e só falamos dela ou, no outro extremo, já não nos lembramos sequer dela e temos vergonha que tenha existido por completo).

Para evitar estas situações é bom que falemos com pessoas que nos são próximas ou genuinamente interessadas em ouvir-nos sobre as características da pessoa que partiu, na fase que se segue à perda (não deixemos isso para depois, isso será uma fuga que depois nos dará um “nó na barriga” de angústia do que ficou por dizer!). Por um lado, não nos devemos “fechar” pelo suposto receio de demonstrar fraquezas ou de ser “lamechas”. Por outro lado, também não deveremos andar por aí a falar com “toda a gente que nos aparece à frente”, pois não podemos ter a atitude carente ou fria de “publicitar” uma perda que sofremos para obter ganhos e favores futuros: uma perda não pode ser nunca um instrumento!

Como há tempos um amigo me disse: as pessoas não têm defeitos nem qualidades, têm características e todas elas são únicas! Já pensaram que não há ninguém no mundo que caminhe da mesma forma, que sorria da mesma forma, que pegue numa caneta da mesma forma, que diga bom dia ou boa tarde da mesma forma, entre outros milhares de coisas únicas? É precisamente isto que devemos recordar e partilhar com pessoas que nos são próximas sobre a que partiu, pois estas são as suas marcas. Essa é a melhor forma de agradecermos a presença da pessoa que perdemos na nossa vida, de dizermos obrigado por tudo o que fizemos juntos. E eu digo obrigado avô.

vascoespinhalotero@hotmail.com

Desporto para todos


Há tempos, numa conversa informal, alguém referiu a existência de uma grande lacuna no desporto português: a falta de formação de qualidade para crianças e adolescentes. Seria aí a prioridade de intervenção, de criação de infra-estruturas, formação técnica, investimento de fundos, etc. Ainda segundo esta opinião, o investimento em adultos seria desperdício, pois “burro velho não aprende línguas” e um grande desportista não se faz de um dia para o outro e tem que começar cedo.

Concordei, mas só no que se refere ao desporto de alta competição. Na minha opinião, relativamente ao desporto de lazer ou manutenção é igualmente importante o investimento no desporto para adultos e idosos!

Vejamos, no desporto em geral existe a alta competição, que inevitavelmente abrange uma percentagem baixa da população, e existe o desporto de lazer ou de manutenção, este sim, capaz de absorver a grande maioria da população (pois nem todos podem ser “Figo, Rosa Mota, Carlos Lisboa ou Nuno Delgado”, mas quase toda a gente poderá ou poderia praticar futebol, atletismo, basquetebol, judo ou qualquer outra modalidade).

Por outro lado, se é certo que as fronteiras entre o desporto de competição e o desporto de lazer são bem definidas, também é certo que estes podem funcionar num contínuo em que proporcionando à população a opção do “experimentar” uma modalidade, se acaba por descobrir talentos, podendo aproveitá-los, quanto mais cedo melhor, para a competição. Ou seja, do geral para o particular, uma coisa beneficia a outra!

Com alguma atenção e auto-análise, damo-nos conta que em Portugal se confunde com incrível ligeireza desporto com desporto de competição! Sejamos realistas, num país com alguns “craques” do desporto, a maioria da nossa população é extremamente sedentária, sendo que a prática desportiva regular mais intensa para muita gente é estar no sofá a ver futebol no papel de “treinador de bancada”!

Provavelmente alguns dirão que, de vez em quando, dão uma “perninha” no futebol de 5. Ora, apesar de serem, na globalidade, poucos os que o fazem, há que reconhecer que a prática do futebol de 5 por adultos é, no nosso país, mais aceitável. Porém, também através deste facto, podemos apresentar outro dado: falta de alternativas ao futebol de 5, no quer diz respeito à prática desportiva por adultos!

Proponho-vos um desafio: se forem adultos, tentem lembrar-se de uma única vez (que não no vosso percurso escolar) em que praticaram basquetebol, voleibol, andebol, hóquei em patins, remo, ciclismo, ginástica ou mesmo um qualquer tipo de dança, só para citar alguns exemplos? Pensem nas alturas em que algum colega adulto vos diz “temos que fazer algum desporto” e logo surge apenas o futebol de 5 como se fosse a única alternativa possível!

É certo que há gente que pratica, de quando em vez, ténis, natação, atletismo, hipismo ou ginásios para manutenção. No entanto, são, infelizmente, minorias, sendo que nalgumas modalidades o afastamento do público potencialmente interessado se deve mais ao “rótulo social” de desporto elitista do que a puro desinteresse.

Concluindo, em Portugal, existe, sem dúvida, uma falta de prática desportiva regular em desportos variados principalmente entre os adultos (relativamente a crianças e adolescentes já não é bem assim). Seja por falta de interesse cultural enraizado, relativamente a algumas modalidades, com pouca tradição no nosso país, seja por falta de oferta de infra-estruturas e formação técnica, o que é certo é que a partir sensivelmente dos 30 anos pouca gente faz desporto e quem o faz na esmagadora maioria é um jogo de futebol de 5 quando calha... Será que o desporto não vale a pena?

vascoespinhalotero@hotmail.com(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

O fenómeno do Folk no concelho de Cantanhede


Neste ano de 2006, em que o concelho mais uma vez se galvanizou ao ritmo de grandes eventos, que, cada vez mais, fazem “crescer” Cantanhede e projectar o dinamismo concelhio a nível regional e nacional, assume destaque, como evento revelação, o Folk 2006 organizado pelo Grupo Folclórico Cancioneiro de Cantanhede!

Deixando o comentário sobre a grande qualidade cultural e organizativa para mais à frente, importa desde já referir também o ponto relativo aos baixos custos do evento, que demonstram que é possível, com colaboração entre entidades na troca de serviços e partilha de materiais para bem comum, fazer muito com pouco.

Foi impressionante ver como funcionaram associações, autarquia, freguesias, voluntários, famílias anónimas, enfim, toda a massa humana solidária e desinteressada do concelho num evento que não mostra apenas cultura, mas procura também formar, transmitir e fazer participar públicos de várias faixas etárias. Foi muito bom ver o número de pessoas de várias idades que comparecia aos espectáculos.

Relativamente à diversidade cultural presente com diversos grupos folclóricos nacionais (de várias regiões) e grupos estrangeiros de países como Itália, Ucrânia, Turquia, México e Serra Leoa, o nível foi surpreendente, com os conteúdos a chegarem a públicos que se julgava pouco receptivos. Um fenómeno muito interessante!

Quem acreditaria há 20 ou 30 anos atrás que seria possível ter numa qualquer freguesia do concelho, durante todas as noites da semana, actuações de grupos de música e dança de vários países intercalados com actuações do grupo folclórico da terra?...

Não é por acaso que este artigo é publicado apenas algum tempo após o encerramento do evento. É que a memória por vezes é curta e um evento destes merece ser valorizado antes, durante e após, sendo que foi História do concelho de Cantanhede que se fez naquela semana.É claro que há pontos a melhorar e certamente que a organização irá recolher as sugestões e contributos dos vários intervenientes. Para o ano serão aplicadas novas acções e outros erros, como é óbvio, se irão cometer (mas certamente não os mesmos). É natural e louvável que a atitude de continuar a identificar sem complexos e protagonismos os pontos a melhorar se continue a enraizar.

Provavelmente a muitos elementos da assistência deu vontade de contactar com aquela gente que veio de longe, de dançar aquelas estranhas modas, de cantar aquelas letras esquisitas de significado profundo, de tocar aqueles instrumentos pouco conhecidos, enfim, de poder aprender mais directamente.

E talvez o caminho seja cada vez mais por aí! Não foi por acaso que as oficinas de dança e as recepções para almoço com famílias do concelho foram sucessos. Traduzem-se na vontade de conhecer, de aprender, de receber que as gentes de todas as freguesias do nosso concelho parecem Ter relativamente às diversas culturas.

Fica a sugestão de, para a próxima edição, se desenvolverem oficinas de dança incorporadas nos espectáculos nas freguesias. É que depois de ver tocar, cantar e dançar aqueles grupos de forma tão aberta, enriquecedora e simpática dava mesmo vontade de aprender um pouco com eles, quer se tenha!

Eis um exemplo da verdadeira (e possível) globalização cultural!...

vascoespinhalotero@hotmail.com(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

Ver o futebol com outros olhos


Em primeiro lugar, devo esclarecer uma coisa: eu gosto de futebol e vibro com os jogos do mundial de futebol, mas vejamos...

Nestes dias de festa, é mais comum encontrar motivos de alegria ou sofrimento “desportivo” do que consciência social, pois parece que o mundo parou e que está tudo a ver, ingenuamente, os jogos. Sei que vou parecer chato para alguns, mas é, no mínimo, surreal analisar como pessoas que vivem em países onde reina insegurança, exclusão social, desemprego, trabalho precário, educação minimalista suspiram pelos seus heróis que jogam (qual soldados que lutam!) pela sua pátria (a troco de alguns milhares de euros...).

O futebol “indústria” é assim mesmo, e levado ao extremo, é concerteza mais uma forma de alienação que tem paralelo, por exemplo, com o concurso “Euro Milhões”: nestes dois fenómenos a maioria das pessoas (pobres) sonha ser milionária e famosa de um dia para o outro!...

Por outro lado, não falamos só de futebol, falamos do Mundial de futebol! A representação de cada país neste evento pode constituir-se como um depósito de esperança colectiva de um futuro risonho, qual via para a união nacional. Basta recordarmos a euforia que se viveu no nosso Euro 2004!

Mas a história da humanidade já deu alguns exemplos do lado negro desta mobilização de massas... Muitos foram os regimes políticos que se serviram de sucessos desportivos internacionais como exemplo para colocarem as “massas na ordem”, ou seja, no seu caminho de formatação cinzenta em que o pensamento crítico, criativo ou inovador era linchado em função dos interesses da nação agora coroada.

Homens como Hitler, Mussolini, Péron ou mesmo Salazar foram mestres neste jogo de se servirem destes fenómenos para conseguirem obter do povo “certificados de qualidade” aos seus regimes opressivos que afinal “davam” vitórias à nação... Atentemos que nestas vitórias sempre era realçada a Imagem do país como entidade suprema a preservar. Esta estratégia baseava-se, de maneira quase mesquinha, no mostrar, no parecer e não no aproveitamento do que as pessoas da “casa” tinham para dar, criar ou fazer! No fundo, acabava-se por copiar o que se fazia “lá fora” e mal com vergonha de ficar mal visto no estrangeiro...

Neste ponto, considero que Portugal de hoje em dia continua a falhar redondamente, pois se pensarmos friamente no que lucramos internamente (não só financeiramente, mas também em termos de inovação) com a Expo98, Euro2004 ou Porto Capital Europeia da Cultura... Um exemplo inverso desta fenómeno surge quando percebemos o “salto” que “nuestros hermanos” deram com os Jogos Olímpicos de Barcelona e a sua Expo em 1992!

Ora, em contraponto aos exemplos que atrás referi (de aproveitamento ditatorial de vitórias desportivas para blindar o poder e legitimar a cultura de isolamento) podemos recordar alguns momentos notáveis. Ainda recentemente tivemos um exemplo paradoxal e interessante. No Mundial de futebol de 1998, a França venceu o campeonato com uma equipa composta, quase exclusivamente, por jogadores oriundos de outros países, rotulados por muitos, em generalizações perigosíssimas, de “terroristas” ou inimigos da pátria da “Marselhesa” como facilmente um qualquer Jean Marie Le Pen apontaria numa retórica primitiva... Pelo menos durante uns tempos, este país reconheceu e aplaudiu a sua multi-culturalidade através daquela equipa, transpondo para cada cidade, cada bairro, cada casa um orgulho pela diversidade, pela partilha e pela solidariedade. Curiosamente, a equipa acabou por funcionar como lendário modelo de tolerância e convivência a seguir pelo o país e pelo o mundo!

Há que sublinhar sensatamente que o espírito que se criou naquela equipa não surgiu de um dia para o outro. Conta-se, por exemplo, que jogadores e técnicos, antes do campeonato se iniciar, passaram, propositadamente, o Natal juntos, isolados numa casa de montanha, num episódio que ainda hoje é referido pelos intervenientes como marcante!

Um exemplo inverso surge com a Selecção holandesa de futebol que é composta por alguns jogadores oriundos do Surinam que não são “misturados” com os restantes colegas de selecção, tendo inclusive um treinador próprio...

É possível concluir que este fenómeno desportivo global pode, de facto, servir de modelo de atitudes e comportamentos sociais. Por um lado, pode gerar num país uma onda de formatação cinzenta, onde se consolida o “orgulhosamente sós” da anti-diversidade. Por outro lado, pode potenciar um outro resultado: o exemplo da confiança. Centremo-nos, por exemplo, na actualidade portuguesa. Confiança para quê? Para apostar nos nossos valores (sem copiar o que se faz lá fora, dizendo que se está a adaptar...), para receber e abraçar a diversidade e influências, para “empurrar” a audácia de inovar, criar, arriscar, inventar (que não é sinónimo de desenrascar...) com os Figos, Ronaldos e Decos do nosso país multi-cultural.

As repercussões a nível económico, social e cultural poderão ser, a longo prazo, massivas, pois em alturas de dúvida sobre se uma empresa é capaz ou não de lançar um produto inovador alguém se há de lembrar: também aquela equipa de futebol conseguiu!

Analisando de outro ponto de vista, após a euforia criada pela conquista estritamente desportiva (porque afinal de contas é apenas um campeonato..) tudo o resto pode ficar na mesma... E aí voltamos a reflectir sobre o desporto “indústria” como forma de alienação, como meio de nos impedir de pensar e estar atentos a outras questões, porventura, as mais importantes...

No fundo, não importa o acontecimento, importa que uso fazemos dele. Após esta reflexão, não posso deixar de lançar um desafio de previsão ao leitor: o que aconteceria se selecção portuguesa fosse campeã do mundo de futebol?

vascoespinhalotero@hotmail.com

Uma oportunidade para pensarmos os nossos serviços


Quando ouvimos falar em avaliação de desempenho, muitas vezes pensamos em avaliação de pessoas e/ou de grupos (que envolvem subordinados e superiores, pois as chefias também precisam de ser auxiliadas e ter um “feedback”), mas também podemos falar de avaliação de serviços, departamentos ou organizações na sua globalidade!

Estas avaliações organizacionais, em que todos os trabalhadores, clientes internos e externos são ouvidos e as suas sugestões de melhoria acolhidas, estão a dar os primeiros passos no nosso país e com excelentes resultados!

No fundo, trata-se de aproveitar o maior potencial de qualquer organização: a análise crítica. Como? Através de questionários, entrevistas, grupos de análise, reuniões de ideias, recolha de evidências, análise de circuitos, conversas informais, entre outros meios: ouvir construtivamente as pessoas sobre o funcionamento dos serviços onde trabalham! E porquê construtivamente? Porque, como sabemos, devido a factores pessoais, sociais, educacionais, económicos e culturais, no nosso país, bem como em muitos outros, muitas vezes as pessoas criticam de forma destrutiva, o famoso “bota abaixo” que irrita e destrói, muitas vezes, o esforço despretensioso de muita gente que quer realmente contribuir...

O que fazer? Em primeiro lugar, é importante não desvalorizar (pelo contrário, dar importância à crítica, mesmo que à primeira vista nos pareça descabida ou mesmo mesquinha). Depois questionar pontos específicos (como se planeou, quem foi ouvido, o que correu mal, o que sentiu). No final, pedir naturalmente sugestões de melhoria (o que acha que se deve fazer para a próxima) e responsabilizar pela sua aplicação (pois falar só não basta…).

Este questionamento genuíno leva facilmente à distinção de uma crítica vazia (em que quem a faz acaba inclusivamente por aperceber-se disso) e a crítica construtiva (que pode ser recebida, organizada e aproveitada concretamente sem rancores). Há, no entanto, que ter atenção para o facto de muitas críticas vazias, após se filtrar o seu conteúdo, acabarem por resultar em boas críticas construtivas! No fundo toda a gente quer ser ouvida, mesmo que se faça ouvir da pior maneira!...

O problema da avaliação de desempenho, quer seja de pessoas ou de serviços, é o eterno fantasma do que poderá ser feito com uma má utilização destes processos. É basicamente isto que leva as pessoas a “fecharem-se” no seu canto no local de trabalho. Aqui a desconfiança, a intriga e o medo vencem sobre a autenticidade e a abertura construtiva.

Se as pessoas confiarem verdadeiramente num processo de avaliação organizacional/serviços, entregando o seu “coração profissional”, é compreensível que se sintam “traídas” se não virem resultados apresentados ou novos ganhos atingidos. É, sem dúvida, difícil envolver as pessoas, mas tendo-o conseguido torna-se vital não as desiludir, de modo a não alimentar as desconfianças e a pseudo-justificação da criação de “capelinhas” no mundo do trabalho!

vascoespinhalotero@hotmail.com

Somos o que Fazemos ou Fazemos o que Somos?...


A actual estrutura do mundo do trabalho é extremamente exigente e competitiva. Prazos e objectivos rigorosos são estipulados, o trabalho em equipa torna-se comum e necessário, novas estratégias são delineadas tendo em vista uma produtividade e um rendimento cada vez mais elevados. Surgem frequentemente situações novas e imprevisíveis devendo existir flexibilidade individual e organizacional, nas diferentes instituições, para com elas lidar. Perante este cenário exigem-se pessoas que saibam reagir a mudanças, com aptidões para transferir competências e tomar decisões, com capacidade para gerir as suas próprias carreiras. Em suma, pessoas que gostem do que fazem e que, acima de tudo, o façam bem! Mas, serão rendimento e satisfação profissional e de vida compatíveis ? Na actual sociedade?

As profissões são avaliadas pelo senso comum, consoante o que se entende ser o seu Esforço, Utilidade e Responsabilidade. Por exemplo, um operário civil despenderá grande esforço no seu trabalho, já um engenheiro terá uma maior responsabilidade (se uma casa que projectou ruir, ele será o réu principal), embora ambos sejam igualmente úteis (a casa só será feita com a participação de ambos)! Poderemos questionar qual o trabalho mais importante, obtendo respostas e opiniões discutíveis a que ideologias políticas e estilos de vida não serão alheios...

Porém, talvez estejamos a colocar a questão errada! A questão poderá sim ser quem trabalha melhor e em quê! Questão de avaliação polémica, ambígua, talvez mesmo impossível! Mas o que é isso de Trabalhar Melhor e Como Poderemos Trabalhar Melhor? Será que só algumas pessoas têm potencialidades para trabalhar bem, será que há um código genético dos bons e dos maus trabalhadores e/ou da preguiça? Será o trabalhador escravo/máquina o trabalhador ideal (lembram-se do filme de Charlie Chaplin?), será o prazer no que faz (nem dar pelo tempo a passar...) fazendo bem e ainda ter tempo para ter acesso a cultura e educação ao longo da vida e para estar com amigos e família? E então “vem-nos à memória uma questão batida”: serão rendimento e satisfação profissional e de vida compatíveis? Na actual sociedade? Essa será a “primeira resposta do resto da nossa vida”...

Bem, independentemente da opinião pessoal de cada um para estas questões, vamos lá ver uma coisa: Quem poderá avaliar quem trabalha melhor, quem poderá no futuro vir a trabalhar melhor e em que ambiente poderá trabalhar melhor? Seguramente que não um qualquer patrão à custa do regime de Flexibilidade proposto no Projecto de Revisão do Código de Trabalho... Bem, a resposta, na minha opinião, é... Nós Próprios! Como? Através de uma pura (mais tarde explicarei porquê...) Orientação Vocacional (Escolar e Profissional), seguindo o exemplo do que os países de Leste Europeu fizeram (ou tentaram fazer...). Nestes países Cultura, Educação e Informação para Todos constituíam (ou procurava-se que constituíssem...) elementos “alimentadores” de uma expressão mais humanizada do mundo do trabalho. Existia um continuum vocacional natural entre ensino secundário, ensino universitário e mercado de trabalho que possibilitava (ou possibilitaria...) que cada pessoa fizesse o que “realmente” gostava! E vejam que nos países que aplicaram tal medida se constatava, por exemplo, que as vagas nas faculdades eram ocupadas de acordo com a decisão vocacional de cada um, não existindo uma sobrelotação de alguns cursos como poderíamos esperar (não iam todos para Medicina, Arquitectura ou Direito!). Não eram então necessários outros critérios de entrada tais como: resultados obtidos em provas de avaliação (repetição?) teórica...

Bem, seria uma ideia interessante também para o nosso país, mas então e os custos? Nada que um real investimento na Educação (e na Saúde) como projecto nacional de sólido futuro não pudesse comportar (acabar com off-shores, fuga aos impostos, privatizações de saldo também ajudaria...). Os lucros, esses chegariam pela qualidade profissional, pelo contributo inovador dos trabalhos de investigação (passaríamos a deixar de “copiar” os outros) e, quem sabe, por rendimento e satisfação profissional e de vida mais compatíveis!... Utopias?...

De volta à nossa realidade e pensando na Orientação Vocacional o que é que verificamos? Que profissões socialmente ultra-valorizadas (pelo seu esforço, utilidade, responsabilidade ou compensação monetária) provocam desequilíbrios e “cegueiras” no puro desenvolvimento vocacional e nas aspirações profissionais de cada um. Às vezes, é devido a estas crenças “quase irracionais” que escolhas são monopolizadas, sendo congeladas decisões autónomas resultantes de auto-análise e de uma real verificação de aptidões e interesses pessoais. Renuncia-se ao direito de ser feliz, dizendo que teve que ser!

O mundo do trabalho transforma-se num palco de simples representações de papeis (as profissões) : dos “bons” e dos “maus”. Não será pura e simples coincidência recordarmos o exemplo de... “Tens boas notas, vai para Medicina”! Não raras vezes, os jovens optam por determinados cursos, devido apenas às suas elevadas médias de acesso e possibilidade de ascensão ao topo da pirâmide social: “os senhores doutores”! Não acredito na formação de bons profissionais seguindo apenas estes critérios!

Na minha opinião, no que ao processo de pura orientação e selecção vocacional e, posteriormente, profissional diz respeito, será importante abafar do estatuto social de algumas profissões, a influência da variável compensação monetária ou seja, seguir uma carreira apenas e só pelo dinheiro e/ou saída profissional. Abafar? Palavra forte, ousada, à primeira vista irresponsável, mesmo ditatorial, a fazer lembrar outros tempos de má memória! Porém esta expressão (pois apesar de a ter traduzido num verbo, não creio que o seja propriamente) não se serve de uma “censura” relativamente a estas representações mentais (ligadas ao dinheiro e ao estatuto), que justamente iria questionar os termos éticos do exercício da psicologia! Existiria sim o constante Relativizar (talvez seja esta a expressão adequada), criação de uma “montra” de informações novas, com actualização das velhas, sobre o acto de ser/fazer, tidas de repente, pelos orientandos, como “até giras e também interessantes”, promovendo uma reestruturação cognitiva e emotiva (“nunca tinha pensado nisto”, “tinha uma ideia diferente sobre isto”, “vendo as coisas nesta perspectiva isto até tem a ver comigo”).

Seria provavelmente possível o “semear” de uma tolerância, quiçá desvalorização, em relação às posições estratificadas, algo “militarizadas”, que se presume estarem imiscuídas na “planta” do actual mundo profissional. Nestes momentos que poderia apelidar de terapêutico-vocacionais, que na minha experiência como estagiário já presenciei e constatei (ainda que a um nível formal e, consequentemente, não científico), julgo existir pouco espaço para dinheiro e estatuto, pois neste “acordar” para a busca da essência da construção pessoal da realidade, neste caso da realidade vocacional (trabalhos de Kelly, Savickas, entre outros), o que se procura, permitam-me porventura especular mais um pouco, poderá estar intimamente relacionado com factores genéticos e experiências adquiridas, sobretudo aquelas que se reportam às relações humanas com pessoas significativas. Bem, muito ainda haverá por saber, por pesquisar...

Voltando ao que se passa hoje em dia e ao que todos já sentimos, mas nunca traduzimos talvez. Quantas vezes já ouvimos: “Tu fizeste bem, o teu curso tem saída e vais ganhar bem” ou “Tu fizeste mal, vais para o desemprego”! Poderei até questionar a real justiça nas remunerações das diferentes profissões, pois infelizmente não se recompensa quem trabalha melhor, recompensa-se sim quem tem o “melhor” emprego. Acontece que o lema ocidental “Melhor homem para o cargo” é sabotado por um sistema educativo que alimenta a fabricação em série de pessoas que são autênticas máquinas fotocopiadoras, em que não existe espaço para a compreensão crítica e prática dos conteúdos (há felizmente muitas excepções também, mas por quanto mais tempo resistirão?). Um sistema de ensino, que privilegia a memorização temporária, o despejar de matéria em exames teóricos, transforma-se num teatro em que os bons alunos serão aqueles que melhor fingirem compreender. Para não falar da forma como alguns cursos das universidades privadas são “oferecidos”... A actual sociedade impele para que se estude não para aprender, não para prestar, mas sim para mais tarde ter, poder, ser! Porém, não se pode ser mais tarde, é-se ao longo da vida!

A meu ver, Educar e Formar deverá contemplar muito mais do que uma preparação técnica, pois as componentes comportamental e cultural são também essenciais! Será importante não só saber “apertar um parafuso”, mas também compreender como “funciona toda a fábrica”! Então e se os patrões das fábricas disserem que apenas pretendem que o trabalhador saiba “apertar um parafuso” e que se conforme com isso? Exemplo mais claro foi o procedimento das empresas portuguesas nos últimos anos ao ignorarem o necessário investimento no trabalho qualificado, aproveitando-se apenas da nossa mão-de-obra barata! Esquecem-se, no entanto, que quando o barco for ao fundo levará com ele até os ratos do porão!

Como contraponto olhemos para a formação, competências, cultura e educação de grande parte dos nossos colegas ucranianos! As empresas têm que entender de uma vez por todas (talvez precisem de uns “óculos”) que uma boa articulação entre o sistema educativo e o sistema produtivo traz ganhos para todos os parceiros envolvidos. Ora vejamos: para os indivíduos (para o seu desenvolvimento pessoal), para as organizações empresariais (ganhos produtivos) e para a sociedade em geral (usufruto de melhores serviços). Para além de que esta articulação possui para os jovens uma enorme importância, não apenas em termos de satisfação e bom desempenho profissional, mas também na construção da sua identidade, tornando-se cidadãos críticos e responsáveis, não apenas consumidores...

Ora, com a pura Orientação Vocacional, o psicólogo proporcionará ao consulente o “apalpar” do real mundo do trabalho e o “respirar” do Eu que se pretende afirmar. Pretende-se combater o “encaixotamento” das pessoas, a desinformação e a fundamentação dos estereótipos relacionados com a vida profissional. Activar processos de auto-inserção no sistema profissional, consoante a vocação de cada um. Para evitar que o trabalho continue a ser visto como um “fardo”, uma “seca”, é necessário criar condições para que a maioria das pessoas faça o que gosta, e não o que é obrigado a gostar! Note-se que o gostar implica um processo de auto-descoberta muito grande e delicado, que não devemos menosprezar atribuindo valor “ditatorial” aos testes psicológicos! O fazer deve incorporar-se naturalmente no nosso ser. As pessoas devem ser orientadas no sentido de se expressarem. O desempenho laboral poderá então humanizar-se.

Agora o que acham: Somos o que Fazemos ou Fazemos o que Somos?...

Sofrer leva a não produzir


Entre o homem e a organização prescrita para a realização do trabalho existe, por vezes, um espaço de liberdade que autoriza uma negociação, invenções e acções de modulação do modo operatório, isto é, uma invenção / sugestão do trabalhador sobre a própria organização do trabalho, para adaptá-la às necessidades e desejos da organização para a qual trabalha, dos clientes a quem presta serviço e, acima de tudo, do próprio trabalhador, que é aquele que mais fica satisfeito com o sucesso do seu trabalho! Exemplos disso são verificados quando os trabalhadores dão sugestões para um melhor funcionamento e qualidade do seu serviço, sendo construtivamente quer declarados, quer ouvidos!

E aqui há que fazer um esclarecimento científico: para esta colaboração existir não são necessárias mais (ou menos...) compensações monetárias, pois trata-se de uma necessidade / potencialidade humana e social, basta haver predisposição para a organização a receber! A vontade de trabalhar bem, com prazer naquilo que se faz é uma porta que está sempre aberta em todos os trabalhadores de todas as organizações, pois na verdade ninguém quer trabalhar mal! Talvez por aqui se possa concluir o fracasso do mito da privatização para obrigar os trabalhadores das empresas públicas a trabalharem “como deve ser”, pois o autoritarismo, que aparece “vestido” de rigor profissional (ou a ameaça de despedimento...) não facilitam a contribuição das pessoas, antes pelo contrário, seja num empresa pública, seja numa privada! ...
Porém, quando a tal negociação que abordei no início do artigo não existe, devido à “surdez” egocêntrica e medrosa de não ter mão firme nos seus “súbditos”, por vezes, diagnosticada a muitos administradores e gestores ou a processos burocráticos destruidores, a relação homem-organização do trabalho fica bloqueada e entra-se no domínio do sofrimento dos trabalhadores e do modo como os trabalhadores reagem a esse sofrimento! E aí, sim, nascem o mau serviço, as más relações dentro do trabalho, absentismo, doenças no trabalho, stress (e consequentemente a baixa produtividade...), que no fundo não são uma “doença” (que no universo cultural português, muitas vezes displicentemente, se aponta aos funcionários públicos), são sim um sintoma que nos sugere a “doença” que atrás descrevi : a falta de negociação, invenções e acções entre os trabalhadores e seus superiores sobre a própria organização do trabalho!

O indivíduo, neste caso o trabalhador, dispõe de muitas vias de descarga da sua energia. Essas vias de descarga são três: via psíquica, via motora e via visceral. A primeira é saudável, enquanto que as duas seguintes nem sempre são.

Segundo Freud (1968), tomado pela sua energia pulsional direccionada para o trabalho, um sujeito pode eventualmente produzir criatividade e envolvimento, que são representações mentais que podem, às vezes, ser suficientes para descarregar o essencial da tensão interior. Outro sujeito não conseguirá relaxar-se por esse meio e deverá utilizar a sua musculatura: fuga, crise de raiva motora, actuação agressiva, violência, oferecendo toda uma gama de “descargas psicomotoras” (quem não viu já pessoas a “explodirem” por causa do trabalho?).

Enfim, quando a via mental e a via motora estão fora de acção, a energia pulsional não pode ser descarregada senão pela via do sistema nervoso autónomo e surgem então as doenças psicossomáticas (fadiga crónica, depressão, entre outras são geralmente mais comuns em pessoas que não “explodem” como no exemplo anterior).

Mas que tipo de trabalho ou formas de estar no e com o trabalho darão ao Homem possibilidade de não sofrer neste contexto? É deixa-lo não fazer nada? Isso é que era bom, diriam alguns! Ora bem, o psiquiatra francês Cristophe Dejours sugere uma abordagem que aproxima a Psicopatologia do Trabalho e a Ergonomia, apontando três respostas: a primeira é a possibilidade de participação na organização do trabalho; a segunda diz respeito à liberdade / autonomia no trabalhar dentro da organização; a terceira é a autêntica orientação vocacional.

O trabalho torna-se perigoso para o aparelho psíquico quando ele se opõe à sua livre actividade. Ou seja, quando as regras são impostas sem serem explicadas e negociadas abertamente e as contribuições, sugestões e participações dos trabalhadores permanecem olhadas com desconfiança! Cai assim o mito de que “os trabalhadores gostam é de não fazer nada”!
* Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacionalvascoespinhalotero@hotmail.com

Quando a cabeça não tem juízo...


Neste período de rescaldo (ou de “ressaca”), relativamente à participação portuguesa no Mundial de Futebol Coreia/Japão 2002, considero pertinente abordar de uma forma crítica e construtiva, dentro do que me é legítimo e possível fazer, o processo de preparação dos nossos representantes máximos na referida competição: os jogadores da “nossa” Selecção!

Fala-se muito de preparação física dos jogadores e, uma vez por outra, refere-se a sua preparação psicológica. Queixavam-se os jogadores, antes do jogo com os Estados Unidos da América, de sentirem elevados níveis de ansiedade há vários dias. A consequente derrota – e sobretudo porque foi devida a uma clara dificuldade dos nossos jogadores em atingirem a classe a que nos habituaram – talvez seja fruto dessa mesma ansiedade e dos fantasmas do psiquismo que os dominaram (Neurose do insucesso? Medo? Atitudes narcisistas?).

Numa visão socio-cultural constato que nós, portugueses, sempre nos “guiámos” pelo nosso “fado”, no sentido em que ora nos regozijamos por “sermos os maiores”, ora nos depreciamos por “sermos pequeninos”. Pois é, quanto maior é a subida, maior é a queda. É a nossa História que o acusa! Bem, isto explica e implica muita discussão e daria “pano para mangas”, mas voltemos à Selecção encarando-a como um “espelho” da sociedade portuguesa, ao nível social, cultural, económico e educativo.

No nosso país, frequentemente, na alta competição assistem-se a derrotas cuja explicação alguns técnicos remetem paras as tácticas, castigos, treinos ou para essa malvada falta de sorte (marca exclusiva portuguesa)! Mas terá sido aquela dramática meia-hora inicial, no jogo com a selecção americana, apenas falta de sorte? Será esta malvada a culpada por jogadores com larga experiência internacional, na casa dos trinta anos de idade “tremerem” daquela forma, assemelhando-se a juniores estreantes nestas andanças? Será? Claro que não! Porém para afastar estes “azares” e este “mau perder” será, sim, necessário: Estudar e Prevenir!

Muito raramente se questiona e investiga a fundo qual a explicação psicológica para o fracasso destes homens nos momentos cruciais. Sim, porque falamos de seres humanos e não de “robots comandados pelos treinadores de bancada”. Estes funcionam cognitivamente e emocionalmente envolvendo e influenciando, de modo decisivo, a finalização motora. E “quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga”! Pois então, ocorre-me a dúvida: até que ponto foi cientificamente correcta a preparação psicológica dos jogadores da Selecção? Como foi tratada a ansiedade (natural e, dado a nosso passado, esperada) dos jogadores durante os dias que antecederam o jogo? Com tranquilizantes?

Não fazendo disto a coisa mais importante do mundo (porque afinal o futebol é apenas um jogo!), eu diria que não foram os Estados Unidos que ganharam o jogo, mas antes a fragilização psicológica dos seleccionados portugueses face à pressão da competição em que estiveram envolvidos. É que com “mezinhas com alho” nos bolsos dos jogadores não se fazem milagres...

vascoespinhalotero@hotmail.com

Psicologia convocada para a Selecção Nacional


Talvez a exaltação do futebolista João Pinto face ao árbitro Angel Sanchez fosse evitada e as “mezinhas de alho” antes do jogo, para dar sorte, fossem dispensadas, se os jogadores da selecção portuguesa de futebol que competiram no Mundial tivessem beneficiado de um acompanhamento psicológico continuado ao longo do tempo. A equipa técnica da selecção incluía médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, mas ao contrário do que aconteceu com algumas selecções de outros países, como a de Inglaterra ou Brasil, não integrou nenhum psicólogo que interviesse ao nível da gestão das emoções dos jogadores, das suas ansiedades, capacidade de concentração e de vários outros aspectos.

Sidónio Serpa, professor de Psicologia do Desporto na Universidade Técnica de Lisboa, considera que o processo de treino em alta competição compreende quatro dimensões: a técnica, a táctica, a física e a psicológica. O treinador e/ou a sua equipa deve, portanto, estar apto para trabalhar todas estas vertentes, impondo-se então a incorporação de um psicólogo neste “plantel”. Mas realmente que papel poderá ter? E quando o poderá desempenhar?

O apoio psicológico deve ser dado de uma forma constante e progressiva. O trabalho do psicólogo deve ser orientado no sentido de desenvolver, nos atletas, capacidades a nível psicológico que lhe permitam um maior rendimento e capacidade de concentração. Neste processo são utilizadas estratégias para trabalhar a motivação e o controlo da ansiedade.

Segundo Luís Baptista, formador de treinadores da Federação portuguesa de Futebol, a intervenção deverá, antes de mais, ser pedagógica e de prevenção sistemática, de modo a ajudar os jogadores a poder antecipar determinadas situações. De que forma? Por exemplo, através de uma técnica chamada imagética, os jogadores são levados a imaginar (sob orientação do psicólogo) situações que podem acontecer no jogo (desmarcações, fintas, foras de jogo, decisões do árbitro, defesas, faltas, indicações dos colegas, provocações de adversários, etc).

A antecipação do que pode acontecer é, aliás, uma das técnicas utilizadas no próprio dia do desafio de futebol, antes dos jogadores entrarem no campo. No final de um jogo, a intervenção também pode ser importante para ajudar os jogadores a perceberem o que se passou. Noutros casos, há apenas que os deixar viver a emoção da derrota. E mais tarde começar a preparar a situação futura, pensando no próximo objectivo, como melhor modo de ultrapassar a derrota, sem deixar de a recordar de uma forma construtiva.

Outro tipo de intervenção poderá ser desenvolvida, sendo esta mais aprofundada, mais técnica e diferenciada, no sentido de um auto-conhecimento do atleta: o aconselhamento psicológico. Segundo Sidónio Serpa o psicólogo pode adoptar um papel observador, identificando disfunções e, posteriormente, alertando o treinador. É um trabalho que deverá ser realizado em equipa e numa perspectiva multidisciplinar.

Todo este apoio deverá ser feito de uma forma progressiva ao longo do tempo... não faz sentido meter um psicólogo num avião com atletas que não conhece para uma competição como o Mundial de Futebol! Em alta competição, o psicólogo não pode ser utilizado como uma “ambulância”!

vascoespinhalotero@hotmail.com

Problemas quem não os tem


Toda a gente tem problemas, discussões e choques de opiniões, de vez em quando, quer seja com a família, amigos, escola, trabalho ou noutros contextos. A perplexidade e a raiva que daí resultam parecem contaminar todos aqueles directamente envolvidos, podendo as rupturas tornar-se definitivas. Suspirando por uma poção mágica, alguém diria que seria bom que todos se dessem bem, concordassem com tudo, gostassem do mesmo, mas isso é impossível quando as pessoas são diferentes e ainda bem que o são!…

No meu ponto de vista, os problemas, discussões e choques de opiniões existem, pois são inevitáveis e mesmo desejáveis! Mas atenção, isto desde que sejam depois aberta e construtivamente aproveitados e resolvidos! Pois, não basta “explodir” ou desabafar (com efeitos de alívio apenas de curto prazo), é necessário, depois de se terem mostrado as “cartas todas”, chegar a consensos ou compromissos através da negociação, com inevitável cedência numas coisas e ganhos noutras!

Por tudo isto, pode concluir-se que os silêncios (auto)impostos, como por exemplo, quando dizemos “o melhor é eu estar calado para não me chatear”, muitas vezes impedem-nos de encarar e resolver problemas.

Outro ponto importante passa pela necessidade de se evitar o egoísmo do desabafo ou explosão agressiva! Um aparente paradoxo que nos alerta para o facto de se dever ter em conta que podemos e devemos dizer tudo o que diz respeito ao problema em conteúdo, agora deve-se adequar a forma como se diz, por respeito a quem nos dirigimos. Basta lembrarmo-nos de pessoas que conhecemos que dizem que são sempre muito frontais e dizem tudo na cara às pessoas (como se isso os legitimasse para tudo…), mas que o fazem de forma agressiva e ameaçadora, sem respeito pelo receptor do “sermão”…

Uma coisa é certa: depois de desabafarmos, sermos ouvidos e compreendidos, é mais fácil chegarmos a consensos e compromissos, fazendo as nossas cedências também (pois o desabafar não garante total razão…). Aliás a “receita” aplica-se a vários contextos: família, trabalho, amigos, grupos, movimentos sociais ou políticos!

Fica o alerta para as nossas situações do dia-a-dia, pois enquanto os problemas não são “postos na mesa”, acumulam-se ressentimentos e avolumam-se os problemas sem solução à vista, e assim por diante, continuando o ciclo em espiral até que alguém “exploda” e deixe estilhaços irreversíveis!...

vascoespinhalotero@hotmail.com

Preconceitos e negligências


Nesse enorme país que é o Brasil encontramos facilmente um curioso denominador comum, no que diz respeito à existência de uma suposta crença social transformada ao longo do tempo num dogma (em algo que se acredita sem saber bem porquê): a referência anedótica ao português (um pouco à imagem do “alentejano” nas anedotas nacionais). E quais as razões atribuídas pelos brasileiros para a formação deste estereótipo? A maioria não sabe, apenas reproduz automaticamente uma tradição que ridiculariza o português por convenção social, ou seja, porque toda a gente o faz, mesmo que as suas experiências pessoais não o confirmem (ex: pessoas que já foram a Portugal e/ou que conhecem portugueses).

Por outro lado, vários pensadores e intelectuais conseguem discernir a origem do fenómeno. Em primeiro lugar, a questão da colonização (neste ponto há semelhanças com os espanhóis que também são ridicularizados anedoticamente nas suas ex-colónias), sendo que esta é a única parte da história de Portugal que os brasileiros conhecem. Em segundo lugar, a percepção de que os portugueses não souberam gerir da melhor forma as suas colónias, revelando alguma inércia e submissão relativamente aos interesses ingleses. E em terceiro lugar, a emigração portuguesa para o Brasil durante os tempos da ditadura do Estado Novo, altura em que milhares de pessoas chegaram ao Brasil nas décadas de 40, 50 e 60 praticamente com uma “mão à frente e outra atrás”, com pouca ou nenhuma formação profissional, cultural e económica. Era gente que na altura vivia praticamente na miséria e que em termos de alimentação não passava da subsistência fornecida pelo seu quintal, comiam-se alguns legumes, sardinhas, pão, bacalhau e não muito mais. Ora, esta foi a formação profissional que a maioria dos emigrantes levaram para o Brasil, era nisto que podiam trabalhar para se sustentarem numa terra nova. Sabendo o povo brasileiro apenas isto e mais nada, assim formou o estereótipo do português no Brasil!

No entanto, como obviamente verificamos, as informações que levaram a este estereótipo são escassas e não foram contextualizadas, caindo na indução clássica. O que sucede é que o que chega ao Brasil sobre Portugal, em termos culturais, sociais, políticos, económicos, é mesmo muito pouco e é fruto desse desconhecimento que os preconceitos que abordei são mantidos. Torna-se realmente muito interessante e gratificante verificar que quando estas contradições lhes são explicadas, assim como outros aspectos sobre a história, cultura, política portuguesas do passado e presente, quer nos seus pontos positivos quer nos negativos, são os próprios brasileiros a encarar os seus preconceitos como absurdos e ridículos (quase que pedem desculpa...), demonstrando por acréscimo um grande interesse e respeito por uma cultura diferente.

Através do intercâmbio cultural genuíno termos de comparação, como “o meu país é melhor que este” (que em si mesmo são fontes de novos preconceitos, pois se pensarmos assim só vamos prestar atenção nas coisas que confirmem que somos mesmo os maiores), tornam-se despropositados. Lembra uma pessoa que apenas conhece o seu jardim e mais nenhum, mas afirma a “pés juntos” que tem a certeza que só o seu é bom! Na verdade o ódio, o gozo, enfim, o preconceito existe, não por se conhecer realmente e não se gostar ou concordar, mas sim porque não se conhece sequer e se tem receio de que outros sejam melhores!

Seguindo esta linha de raciocínio, podemos concluir que se trata de uma atitude defensiva, de um receio de se ser pior, quando, afinal de contas, as culturas e tradições não são piores, nem melhores, não se podem pesar numa balança, pois dependem muito do seu contexto. São, sim, inevitavelmente diferentes e ainda bem! E este direito à diferença que todos queremos que nos seja respeitado também o devemos respeitar, porque se trata da maior prova da verdadeira riqueza da humanidade!

Questões / críticas / sugestões – vascoespinhalotero@hotmail.com

Orientação Vocacional adivinha o (In)Sucesso Escolar


No anterior artigo que escrevi, sobre o papel dos pais / encarregados de educação no processo de orientação vocacional dos seus filhos / educandos, sublinhei que não seria necessário que os pais estivessem sempre “em cima do acontecimento”, pois há que demonstrar confiança na responsabilidade dos filhos, supervisionar sem controlar e estar sempre lá, para o caso de a ajuda ou conselhos serem pedidos.

Acima de tudo, seria importante estar presente na fase final do processo para que os filhos / educandos lhes explicassem como tinham sido baseadas as decisões a tomar (ex: na última reunião com o psicólogo escolar e com o filho, nas últimas semanas / meses que antecedem a matrícula, etc).

Por outro lado, se os pais não se envolverem construtivamente neste processo de tomada de decisão dos seus filhos, e não compreenderem o porquê da escolha seguida (seja por desinteresse assumido ou por desinteresse mascarado de “pais liberais e modernos”), poderão estar a passar um “cheque em branco” ao possível insucesso escolar dos seus filhos! É que, em muitos casos, exigem-se notas altas, sem antes se terem preocupado em saber se os filhos estão nas áreas para as quais estão vocacionados!...

Metaforicamente falando, e não esquecendo algumas excepções e flexibilizações naturais: um “Einstein” possivelmente não seria um bom aluno a Português, um “Saramago” possivelmente não apreciaria muito as ciências exactas, tal como um “Belmiro de Azevedo” possivelmente não seria um génio das artes plásticas! Não seria de admirar que as notas destes senhores não fossem espantosas nas disciplinas que mencionei, o que não quer dizer que estas formações sejam inúteis para eles e para os seus percursos profissionais, isto desde que não constituam o principal dos seus currículos!

Vamos lá ver uma coisa: é óbvio que não podemos ser bons a fazer tudo, embora possamos saber um pouco de tudo e sermos mesmo bons numa área específica. E quanto mais um pouco de tudo soubermos, provavelmente, melhor poderemos inovar na nossa área específica (ex: um mecânico que para além da parte prática de carros, saiba também um pouco sobre o seu design, fabrico ou estrutura do seu material).

Recentrando a nossa atenção para a escolha vocacional, se a maior parte das coisas que fizermos forem nesta tal área específica em que somos mesmo bons, é natural que o sucesso escolar e/ou profissional aconteça!

* Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacionalvascoespinhalotero@hotmail.com

Orientação Vocacional: o papel dos pais e/ou encarregados de educação


Antes de mais, é imprescindível alertar e esclarecer os pais de que não podem simplesmente demitir-se do apoio e compreensão na escolha vocacional dos seus filhos (do género “ele é que sabe, nem quero saber”), nem podem, por outro lado, decidir por eles!

Os pais também não podem ter escolhas definidas à priori, seja em função da moda (“por ouvirem dizer que aquele curso é que é bom”), tradição familiar, notas escolares (“quem tem boas notas vai para Medicina, quem não tem sai da escola e faz-se à vida), futuro salário (“vais para este curso porque aqui é que se ganha bem”). Pois todas estas certezas podem ser abalados com um: “pai, mãe eu não quero ir para isso”!

Não pretendo, de forma alguma, afirmar que estes motivos não sejam válidos para tomar uma decisão vocacional, mas é certo que têm que ser devidamente ponderados em conjunto com o filho e principalmente por ele! A decisão final terá imperiosamente de ser dele! Não se trata de não ouvir a opinião de ninguém, trata-se de poder escolher livremente após ter ouvido.

Mesmo o psicólogo não escolhe ou decide por ninguém! Nenhum psicólogo de Orientação Vocacional lê (ou deve ler) os resultados de testes vocacionais apenas para si, como se de uma “bola de cristal”, que só ele compreende, se tratasse, e depois aponta o destino ou a sina de cada um!

O psicólogo fornece, sim, ferramentas para que o cliente possa fazer uma viagem em que passe a conhecer-se melhor a si e ao mundo profissional. O psicólogo dá a “cana de pesca”, agora que peixe o cliente decide pescar isso não cabe ao psicólogo decidir, cabe apenas aconselhar.

E qual será afinal o papel dos pais / encarregados de educação? Não é necessário que os pais estejam sempre “em cima do acontecimento”, há sim que demonstrar confiança na responsabilidade dos filhos, perguntar “como vão as coisas”, supervisionar sem controlar e estar sempre lá, para o caso de a ajuda ou conselhos serem pedidos. Acima de tudo, é importante estar presente na fase final do processo para que lhes expliquem como foram baseadas as decisões a tomar (ex: na última reunião com o psicólogo escolar e com o filho, nas últimas semanas / meses que antecedem a matrícula, etc).

Uma boa Orientação Vocacional quase sempre aponta o caminho para o sucesso escolar e, mais tarde, profissional da pessoa que ponderou verdadeiramente as suas tomadas de decisão.Fica a sugestão: primeiro estabelecer as metas a alcançar (“o que quero ser quando for grande”) e depois lutar por elas (adquirir um Método de Estudo eficaz).
* Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacionalvascoespinhalotero@hotmail.com

O Psicólogo na Escola


Por vezes as escolas que requisitam a colocação de um psicólogo criam expectativas ultra-elevadas, vêem-no como um “salvador” que resolverá todos os problemas, principalmente aqueles ligados aos alunos indisciplinados, num ápice! Porém quando este promove medidas de longo prazo que exigem um trabalho contínuo de base envolvendo todos os sectores intervenientes do meio escolar (ou seja quando afinal se dão conta de que ele não traz consigo uma “varinha mágica”!) rapidamente a desilusão e a desconfiança se instalam. Será então importante esclarecer que a acção do psicólogo não se limita a “passar testes”, nem a tratar dos “casos difíceis” para ali “encaixotados”.

Ou seja não se resume a consultas de orientação vocacional pontuais em que se utilizam unicamente métodos de avaliação psicométrica, nem a acompanhamento e/ou encaminhamento de casos clínicos. Este estereótipo é comum, mas inaceitável! Vamos lá ver uma coisa: o psicólogo não vai resolver todos os problemas da escola (pode, inclusivamente, descobrir outros até então desconhecidos), vai sim contribuir para a sua identificação e resolução, o mais cedo possível, num processo contínuo de prevenção/intervenção primária (com a população em geral), secundária (com populações específicas e/ou de risco) e terciária (casos individuais).

Segundo a minha perspectiva o conceito de educação poderá definir-se como o processo de construção das “hipóteses” de sermos nós mesmos! Isto implica toda uma revalorização das potencialidades do nosso percurso de vida com todos os seus “preciosos” obstáculos que constituem as nossas vivências. Assim, a dificuldade e o erro passam a ser vistos como oportunidades de aprender e enriquecer os conhecimentos e o ofício.

A diversidade socio-cultural constitui-se como a “gasolina” deste processo sendo esta aproveitada e explorada para o nosso auto-apetrechamento. Esta abordagem encara a informação, discussão e negociação construtivas como factores desenvolvimentistas de consciencialização social, cultural e profissional. Ora, seguindo esta linha de orientação chegamos ao real papel do psicólogo! Este caracteriza-se por ser um catalizador de relações, aprendizagens e escolhas essenciais num meio escolar inclusivo onde se recebam, ou melhor, se conquistem “competências de vida” num processo heurístico e autónomo dos alunos visando a sua inserção e orientação no mundo do trabalho.

Especificando um pouco mais, o psicólogo poderá ter uma intervenção directa com os professores no sentido de os aconselhar, ajudar, fornecer outras perspectivas e modos de lidar com diferentes problemáticas e desafios como são, por exemplo, os resultantes da nova estruturação curricular. Pretende-se promover a planificação e a flexibilidade prática nos métodos de ensino-aprendizagem e nos conteúdos programáticos adaptados a cada escola, grupo-turma, e nalguns casos, a cada aluno.

Relativamente ao pessoal não docente, a promoção de acções de formação ao nível das relações interpessoais revela-se importante sendo, muitas vezes, compreensivelmente desejada pelos próprios funcionários. No que diz respeito aos alunos, para além das sessões de orientação vocacional (individual ou em grupo), poderão realizar-se semanas de informação escolar e profissional, viagens a instituições profissionais locais, actividades de integração de novos alunos, programas de prevenção para a saúde (ex: educação sexual, alcoolismo, etc) e muito mais, dependendo apenas de dois factores: vontade e criatividade! Os pais e e/ou encarregados de educação poderão ser chamados e sensibilizados para as suas potencialidades educativas, embora eu entenda o quanto será difícil trazê-los à escola, mas esta “aliança” será porventura a mais espectacular forma de intervenção e orientação com os seus miúdos!

Em relação aos serviços especializados de apoio educativo, o modelo seguido é cooperativo, pois requer-se o trabalho de equipa (psicólogos, assistentes sociais, professores de apoio educativo, entre outros). Em termos muito gerais, posso dizer que esta equipa auxilia desde alunos com deficiências (quer intelectuais, quer físicas) a alunos sobredotados, sendo a tónica dominante as dificuldades de aprendizagem. A título de exemplo, posso realçar a possibilidade da elaboração de um currículo alternativo, de programas de estudo acompanhado, de promoção cognitiva, entre outros para o aluno com necessidades educativas especiais sem, no entanto, o separar do seu grupo-turma de referência.

Muitas vezes todo este trabalho “sombra” realizado pelo psicólogo é subvalorizado, sendo até utilizado por aqueles que se julgam capazes de o “avaliar” para justificar a sua própria falta de empenhamento e envolvência no meio escolar! Numa sociedade como esta em que vivemos que tão facilmente cultiva a apatia, o desinteresse e a resignação como virtudes compreensíveis, a escola deverá inequivocamente constituir-se como “despertador” de todo o potencial humano.

O Fantasma da Avaliação de Desempenho


No dia-a-dia ouvimos dizer que as pessoas no trabalho não querem mudar, não se querem flexibilizar e, mais importante que tudo, não querem ser avaliadas no seu desempenho! Porém, através da análise de estudos realizados e observações empíricas, a realidade mostra-se bem diferente em termos gerais (existem naturalmente e como é óbvio excepções). Pelo contrário, as pessoas anseiam por obter feedback construtivo do seu trabalho, quer venha de colegas, superiores ou clientes! E para os mais cépticos: sim, estamos a falar também de funcionários públicos e trabalhadores por conta de outrem!

Por outro lado, é verdade que as pessoas sentem receio da avaliação, ou melhor, de como esta é feita e como poderá ser (mal) aproveitada posteriormente: favoritismos pessoais, limitação de progressão de carreiras devido a cortes orçamentais ou o simples receio de dizerem que estamos a trabalhar mal quando, nas condições possíveis, até demos o nosso melhor ou não…

Ora, talvez o problema não seja a avaliação, mas sim o conceito ou a própria palavra Avaliação (pois ao ouvi-la logo pensamos em distinções, notas, números, promoções, punições, algo vazio que depois não ajuda realmente no dia-a-dia de trabalho e só traz mais “chatices” e conflitos).

Muito bem, tentemos fazer o seguinte: por momentos substituamos a palavra a avaliação por ajuda. Assim, em vez de avaliação de desempenho passaríamos a ter ajuda ao desempenho. Se este for o conceito para o tal feedback construtivo do seu trabalho (pelo qual as pessoas anseiam) talvez seja um bom início, especialmente se esta ajuda ao desempenho for um fim em si mesma e não um meio para restringir carreiras (o que leva forçosamente à descrença e “farsa” no processo de avaliação/ajuda ao desempenho…).

Sejamos francos, o problema da avaliação de desempenho é o eterno fantasma do que poderá ser feito com uma má utilização destes processos! Aqui a desconfiança, a intriga e o medo vencem sobre a autenticidade e a abertura construtiva. Se há gente que com isto se dá bem, a grande maioria sofre com o silêncio imposto, reagindo de várias formas: uns acomodam-se, outros trabalham ainda mais, alguns um pouco de ambos, outros nem uma coisa, nem outra! Mas o “faz de conta” mantém-se…

Como, uma vez, um meu caro amigo me disse: “A resolução de problemas é dificultada pela criação de outros problemas durante o processo de resolução dos primeiros”!

Ora, na tal avaliação/ajuda ao desempenho, há que reconhecer, sem demagogias, que a avaliação qualitativa é a verdadeira avaliação. É “aquela que fica”, provavelmente a mais justa, que evita muitas vezes os ressentimentos ou os vazios elogios numéricos nas pautas que a avaliação quantitativa sem conteúdo dá…

Afinal de contas, o que nos enche mais de orgulho: ver numa pauta que tivemos um 17 ou ouvir o nosso chefe ou cliente enaltecer a nossa capacidade de trabalho, dedicação e “amor à camisola”?... E o que nos dá mais vontade de melhorar: um cinzento 8 na pauta ou elogios específico a tarefas bem desempenhadas conjugados com críticas construtivas a outras que nem tanto, seguidos de uma questão pensada em conjunto (avaliador e avaliado): do que precisamos para fazer melhor?

vascoespinhalotero@hotmail.com

O Dia da Inspecção


“Oh não ..., tenho de ir à inspecção militar!” Este foi concerteza um pensamento que atravessou a mente de muitos jovens, residentes no Concelho de Cantanhede, entre os quais me incluo, após verificarem que o seu nome constava na convocatória para o referido “exercício”. A imagem estereotipada de rigor e exigência (conceitos muito em voga para as bandas “educativas” de S. Bento) da “tropa” atemorizava-nos timidamente (“Eu cá não tenho medo!...”). Mas ninguém queria lá ficar e eis que chega o Dia D!

A romaria iniciava-se. Destino: Quartel da Ajuda em Lisboa. Como nos sentíamos? Bem, como miúdos que iam pela primeira vez à escola! Nunca as deficiências físicas ou psíquicas foram tão abençoadas como naquele dia. “Trouxe um atestado, assim safo-me!” No entanto, eu acalentava a secreta esperança de encontrar um pouco a desmistificação deste “Adamastor”. Seria possível que o serviço militar fosse uma aventura enriquecedora, uma escola de vida (era disto que o meu avô me falava) em que, para além das competências básicas de treino militar e de sobrevivência, pudessem ser incrementados valores como a solidariedade, ajuda à comunidade e a liberdade de expressão. Afinal de contas estes foram os pilares que suportaram toda a inestimável intervenção do Movimento das Forças Armadas no 25 de Abril de 1974! Ora, nos tempos que correm, em que tais utopias passaram de moda, a realidade revelou-se tão hilariante quanto cruel. A escola de vida que ansiava encontrar constituía-se, pelo contrário, como uma escola do marasmo, da inoperância e do autoritarismo desmedido.

O tempo de serviço daqueles homens era dedicado a difíceis, arriscadas e valorosas missões de apoio à sociedade como... jogar uma futebolada no quartel, cortar a relva com precisão geométrica, descansar e ver televisão no bar, sem menosprezar a mais importante das missões: disparar frases de ordem para os inspeccionados! Quando se lhes perguntava: “Por favor onde é a comissão de inspecção?”, respondiam: “Façam uma fila!” Houve quem estabelecesse o paralelo entre esta arrogância e os rituais mais agressivos da praxe académica. Concordei em parte...

Penso não ser uma crítica desajustada referir que existe um défice comunicativo e assertivo nalguns dos nossos oficiais. Estas competências de resolução de problemas e apoio interpessoal deveriam ser adquiridas, não apenas de uma forma esporádica ou autodidacta, como sucede com as honrosas excepções. Estes factores são peças fundamentais em situação de guerra! As regras são necessárias, são benvindas e a disciplina e a autoconfiança indispensáveis, sem dúvida! Agora a dominação, pelo simples prazer de maltratar e de mostrar o “lobo” que há em nós, é ridícula. Dá mesmo para rir, acreditem!

Devo, justamente, referir que se deve ter em conta os condicionamentos financeiros e logísticos de toda a estrutura militar. Há pessoas com potencialidades, capazes de movimentar construtivamente toda esta massa, mas que de uma forma ou de outra têm as “mãos atadas”! Este facto faz-nos reflectir sobre as políticas orçamentais seguidas. Damo-nos conta dos milhões gastos em aviões F-16, pré-sucata, em contraste com a “pré-historicidade” dos exames psicotécnicos utilizados nesta inspecção e com a falta do pequeno incentivo económico (não há gasolina para a maior parte dos meios de transporte) e formador (os homens não têm outra alternativa senão ficar “presos” no quartel a “brincar às guerras”!).
O serviço militar não obrigatório é um avanço óbvio e inevitável, porém esta compactação em termos de pessoal deverá também ser acompanhada por uma renovação de mentalidades e de políticas de intervenção social. É possível, com a nossa voluntariedade tão portuguesa, flexibilizar e diversificar as características de um exército, que tanto poderá colocar tropas de intervenção numa zona de guerra como na limpeza das matas ou no apoio a pessoas desfavorecidas.

No meu Tempo

Pais e filhos jovens e/ou adolescentes têm, de vez em quando, confrontos que são, não raras vezes, comuns. Hoje em dia fala-se mais dos problemas dos jovens e, paradoxalmente ou não, o trabalho dos pais parece cada vez mais exigente, embora possa ser facilitado através do esclarecimento de cinco equívocos, como aponta o psiquiatra Daniel Sampaio, na sua obra “Inventem-se Novos Pais”.

O primeiro equívoco corresponde ao esquecimento das transformações que a família tem experimentado. Noutros tempos, as palavras dos pais determinavam quase tudo: quando os filhos saíam, estudavam e até com quem namoravam! Quem tratava dos miúdos era a mãe, pois o pai só intervinha com os indispensáveis açoites. Os temas “difíceis” eram camuflados e os problemas eram “enterrados”, pois “parecia mal”. Ora, a família actual é, em termos gerais, diferente, mais aberta e com riscos mais visíveis. As mulheres, agora com maior ocupação profissional, continuam a tratar dos filhos, mas com maior colaboração dos homens. Os pais tornaram-se mais sinceros para com os filhos e ouvem frontalmente críticas ao seu comportamento!...

Um segundo equívoco prende-se com a velha crença: para lidar com a nova geração é preciso constantemente recordar a adolescência dos pais. É preciso ter em atenção que os adolescentes de hoje são naturalmente diferentes. Os jovens de agora são mais capazes de discutir e enfrentar os problemas (é verdade, de os criar também...), embora até passem mais tempo sob a alçada dos pais, dado o aumento da sua escolaridade (antigamente os filhos saíam de casa para trabalhar bem mais cedo). Esquecer isto e persistir na célebre frase “No meu tempo...” para repreender é contribuir para dificultar o diálogo com os filhos…

O terceiro equívoco diz respeito ao que se entende por normal e anormal (patológico, doentio) na adolescência. Todos os dias vemos associar, erradamente, turbulência juvenil a perturbação mental e/ou delinquência. Estudos afirmam com segurança que apenas 20% dos adolescentes possuem perturbações psicológicas sérias. Uma tempestade num copo de água diria.

O quarto equívoco será a ideia de que os pais e os adolescentes devam estar de acordo e ter a mesma visão do mundo. Isto foi, é e será sempre impossível! Aliás isso seria sim uma grande “seca”, que transformaria em meros “robots” os nossos homens e mulheres de amanhã! É natural que um pai de quarenta anos e um filho adolescente tenham ideias opostas sobre divertimentos ou horas de deitar por exemplo. Mas é desejável que conversem, discutam e cheguem a um equilíbrio nas suas opções. Nas famílias em que os filhos e pais lutam cada um por si, alguém acaba por ceder, não porque foi levado a concordar, mas sim para não agravar o “ambiente”. E depois se algo corre mal ouve-se dizer “tu é que és o culpado”…

O quinto equívoco consiste em não entender que durante a adolescência os filhos deixam de pertencer aos pais. Durante a infância, é fácil dar-lhes ordens, controlar-lhes o dia-a-dia. Na adolescência, isso já não funciona. Os filhos entregam-se mais aos amigos, namorados ou festivais rock!... Para os pais é doloroso sentir a diminuição do seu poder, mas é fundamental que compreendam qual o seu papel nesta fase: o de estar atentos, de mobilizar sem dirigir, de apoiar nos fracassos e incentivar nos êxitos. O segredo não é controlar, é sim simplesmente supervisionar e estar lá quando é preciso!
vascoespinhalotero@hotmail.com* Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

Como criar espírito de grupo?


No meio desportivo nacional é frequente ouvir técnicos, desportistas ou adeptos referirem-se à necessidade de criar um bom espírito de grupo na equipa da sua simpatia, no sentido de construir um grupo coeso que permita alcançar os objectivos previamente delineados. Nos meios de comunicação social é comum o uso de expressões referindo a existência de um “bom balneário”, sendo esta a chave de muitos êxitos, nomeadamente em equipas que não tenham elementos de grande gabarito. No entanto, tais expressões ou conclusões não são exclusivas do meio desportivo. Verificamos também a sua presença, utilidade e aplicação noutros contextos, tais como: organizações/empresas, escolas, partidos políticos, etc. Também aqui se reconhecem claros e óbvios reflexos a nível do aumento da qualidade, rendimento, produtividade e satisfação, quer para o indivíduo, quer para o grupo/instituição em que está inserido. Afinal de contas, o povo unido jamais será vencido! A expressão científica correcta será Coesão Grupal e pode ser definida como o conjunto de forças que unem os membros entre si e com o grupo. Esta poderá ser verificada e medida pelo grau de assiduidade, pelo querer estar no grupo, pela pontualidade, pelos “sacrifícios” feitos, etc.

Como se cria? Bem, a fomentação de Coesão num Grupo é associada por alguns à “mística”, por outros ao “pulso” de uma estrutura directiva ou ainda, numa perspectiva menos romântica, aos prémios de produtividade atribuídos (individuais e colectivos). Porém, facilmente constatamos a dificuldade em delimitar exactamente os factores que a promovem. Ou seja, não se sabe bem como “unir o pessoal”, apesar de muitas vezes isso ser pretendido e conseguido! Neste artigo tentarei ajudar a “decifrar este enigma”, tendo por base os conteúdos científicos mais recentes. Os referidos factores encontram-se divididos em extrínsecos (ligados ao meio que envolve o grupo) e intrínsecos (ligados especificamente ao grupo e aos seus elementos).

Como factores extrínsecos apontam-se entre outros o tamanho do grupo e a sua diversidade geográfica, assim, grupos pequenos, que contêm elementos que vivem perto uns dos outros, serão mais coesos (ex: população de uma aldeia versus população de uma cidade). Uma maior homogeneidade dos membros do grupo promove mais facilmente uma forte coesão, dado terem mais características, estilos de vida ou modos de pensar em comum (ex: grupos de jovens são mais unidos se só forem compostos mesmo por jovens e não por mais pessoas mais velhas). A existência de um sistema de recompensas, para objectivos colectivos, também proporcionará um aumento da coesão (ex: prémios para os jogadores se a sua equipa vencer o campeonato), assim como o facto de existir e/ou se “espicaçar” rivalidades, aproveitando a competição com outros grupos rivais (ex: o que seria do Sporting se não existissem Benfica e Porto; quem não se lembra da guerra Porto–SIC ou do “quem não é por nós é contra nós”?). “Queridos inimigos” tão bem preservados pelas declarações incendiárias de alguns dirigentes...

Como factores intrínsecos (de ordem socio-afectiva) pode referir-se, em primeiro lugar, uma clara e consensual definição de um fim/alvo/objectivo comum, não deixando de ter em conta os diferentes interesses de cada elemento e respeitando as opiniões quer das maiorias quer das minorias (ex: jogadores elegerem, após debate onde todos tiveram oportunidade para darem a sua opinião à vontade, a conquista do campeonato como objectivo máximo). Será também importante a satisfação das necessidades de cada elemento, na medida do possível, de modo a que possam atingir, para além do fim/alvo/objectivo comum, também os seus objectivos pessoais (ex: jogador que quer ganhar o campeonato e o prémio de melhor marcador). O alto estatuto do grupo (o facto deste ter um difícil acesso, de ser recomendado, invejado e elogiado socialmente, a tal “dream team”) incentiva o orgulho de se lhe pertencer (ex: altas médias de entrada para cursos superiores). Já dizia a sabedoria popular “Junta-te aos bons, serás como eles; junta-te aos maus, serás pior que eles”. È também fulcral a identificação dos membros com a cultura do grupo, normas e valores característicos e particulares (ex: a “mística” da Selecção Nacional). A existência de afinidades inter-pessoais, os elementos “darem-se bem”, é também factor de coesão, destacando-se aqui as actividades extra-profissionais como facilitadores destas ligações (ex: uma equipa de futebol ir passear de bicicleta, ao teatro, ver o concerto da banda de um dos membros, etc). Os tipos de actividades do grupo influenciam também a sua coesão, na medida em que quanto mais atractivas - que não é sinónimo de não se fazer nada ou de só se realizarem tarefas fáceis - maior satisfação trarão (ex: existir conciliação entre treino físico e convívio inter-pessoal numa pré-época de uma equipa desportiva). Por último, os sucessos obtidos pelo grupo também aumentam a coesão, especialmente se obtidos pela força do conjunto (ex: uma equipa que vá ganhando jogos importantes com muita entre ajuda, mesmo sem jogar bem). Não é verdade que em equipa que ganha não se mexe?